sábado, 29 de agosto de 2009

Presunção de inocência: não aplicação às normas sobre inelegibilidades

Discutiu-se intensamente ao longo das últimas eleições a possibilidade de vedar-se a candidatura de pessoas que ostentem graves indicativos em sua vida pregressa, ainda que não consistentes em condenações criminais de que não caiba recurso. Agora, diversas iniciativas buscam promover a discussão, no Congresso Nacional, de projetos de lei que disciplinem a matéria.

A constitucionalidade de uma lei que considere outros fatores de notável gravidade é alicerçada pelo que expressamente estatui o § 9° do art. 14 da Constituição Federal. Diz o dispositivo que "Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada a vida pregressa do candidato (...)".

Como se vê, é a própria Constituição da República quem expressamente determina ao legislador que estipule quais elementos da vida pregressa dos candidatos podem afastá-los dos pleitos. Infelizmente, passados quase quinze anos desde a edição do comando constitucional (o texto passou a ter a redação atual em 1994), o Congresso Nacional permaneceu omisso em seu dever de regular a matéria.

Diz-se que o princípio da presunção de inocência, também sediado na Constituição, estaria a impedir que condenações não transitadas em julgados viessem a infirmar a elegibilidade de alguém. Essa alegação é destituída de fundamentação jurídica, pois se volta apenas a impedir a aplicação imediata das sanções de natureza penal. E inelegibilidade não é pena, mas medida preventiva.

A sociedade tem o direito de definir em norma o perfil esperado dos seus candidatos. Diz, por exemplo, que os cônjuges e parentes de mandatários em algumas circunstâncias não podem disputar eleição. Isso se dá não porque sejam culpados de algo, mas porque se quer impedir que se valham dessa condição para obter vantagens eleitorais ilícitas. Ninguém propôs quanto a isso que aí residisse qualquer afronta ao princípio da não-culpabilidade.

Afirmar-se que o princípio da presunção de inocência se estende a todo o ordenamento jurídico constitui evidente impropriedade. Estender-se-ia ao Direito do Trabalho, para impedir a demissão de um empregado ao qual se atribui crime de furto até que transite em julgado a sua condenação criminal? Serviria ele para impedir que uma creche recuse emprego a alguém que já condenado por crimes sexuais contra crianças?

Diante de tais razões, os juristas abaixo-assinados afirmam que o princípio da presunção de inocência não se aplica ao tema das inelegibilidades.

Aristides Junqueira Augusto
Aras Celso Antônio Bandeira de Mello
Edson de Resende Castro Emmanuel Girão
Fábio Konder Comparato
Fátima Aparecida de Souza Borghi
Fernando Neves da Silva João Batista Herkenhoff
José Jairo Gomes
Hélio Bicudo
Marcelo Roseno
Mario Luiz Bonsaglia
Márlon Jacinto Reis
Milton Lamenha de Siqueira
Mozart Valladares
Osnir Belice Ricardo
Wagner de Souza Alcântara

Fonte: Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral
http://www.mcce.org.br/sites/default/files/cartajuristas.pdf

Um comentário:

  1. Como acadêmico de Direito, tenho por esses juristas grande admiração!
    Gostria de corroborar, certamente de maneira modesta, com os argumentos apresentados acrescentando à interpretação do artigo 14, nas palavras do professor Miguel Jorge, qual seja, "[..]O artigo 14 institui a democracia representativa como também a democracia direta, através do plebiscito, da iniciativa popular e do referendo[...]".
    À luz dos argumentos apresentados, além, da interpretação citada, podemos concluir que o povo possui três alternativas para decidir, atuando diretamente, junto à essa questão seja através de plebiscito, no qual é feita uma consulta prévia ao povo e, conforme a vontade soberana deste, poderá nascer uma lei, seja por meio da iniciativa popular, que permite que os eleitores proponham um projeto de lei e, por fim, pelo referendo, que, diferentemente do plebiscito, a consulta ao povo é feita posteriormente à uma decisão importante do Estado.
    Portanto, diante de tais possibilidades, resta saber à quem, ou à qual grupo, interessa que esses preceitos constitucionais, baseados na vontade soberana do povo, não sejam efetivamente divulgados e aplicados!
    É isso!

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