TRAFICANTES e criminosos ligados ao PCC tornaram-se, involuntariamente, inspiradores de algumas letras de funks tocados na Cidade Tiradentes, periferia de São Paulo. Era uma espécie de jogada de marketing. Como eles ajudavam, com recursos, as bandas a produzirem seus discos, as letras vinham com referências elogiosas ao crime e consumo de drogas. Surpreendente é que, nesse ambiente hostil, alguém tenha feito sucesso, nas baladas de funk, sugerindo respeito à família, à lei e ao estudo.
A novidade se explica porque o poder público decidiu virar uma espécie de produtor musical: ajudou as bandas não só a gravarem suas músicas mas também a divulgá-las, desde que sem incitação à violência e às drogas. Montou-se um festival só para o funk, no qual venceu Mc Dedé, com "Respeitar sua mãe, jogar bola e estudar". Mas a operação foi além das letras.
Abriu-se um canal de diálogo com a comunidade, e disciplinaram-se as baladas, limitando seu horário; muitos jovens voltaram mais cedo para casa. O resultado se vê num levantamento feito em hospitais, prontos-socorros e delegacias das redondezas: menos violência.
Converteu-se o funk num instrumento de civilidade e paz. É uma informação relevante diante dos dados, divulgados na semana passada, de aumento da violência em São Paulo, após dez anos de queda contínua; a pior notícia de toda a gestão Serra -além das imagens recorrentes da dificuldade de se enfrentar a cracolândia, foco de uma nova operação.
De Gilberto Dimesntein na Folha de São Paulo de 02/08/09
Publico abaixo outro texto de Gilberto Dimesntein sobre a nova cultura
Doces bárbaros
Não sabia que iria enfrentar a criminalidade das letras dos funks -e, ao mesmo tempo, das ruas de Cidade Tiradentes |
O BRIGADO a se vestir com um sisudo uniforme, Ronaldo Barreiros estudava num colégio religioso, dirigido por freiras franciscanas que não apreciavam homens de cabelo comprido e brincos -nem bandas de rock.
Deixou a escola porque gostava de deixar o cabelo crescer, usar brincos e tocar numa banda de rock. Agora, com 30 anos, ele não toca em nenhuma banda, mas tenta inventar a rebeldia do funk. "Podia imaginar muita coisa na minha vida, menos que iria ajudar a produzir funk. E, ainda por cima, fazer sucesso."
Ronaldo comandou o grêmio, filiou-se ao PC do B, tornou-se diretor da União dos Estudantes Secundaristas, em São Paulo, fez cursos de arte em Cuba. Formou-se em história na PUC e, depois, se especializou em relações internacionais. Entrou no serviço público e trabalhou na Subprefeitura da Sé. "Até aí, tudo estava relativamente previsível." Não sabia que iria enfrentar a criminalidade das letras dos funks -e, ao mesmo tempo, das ruas.
Quando se tornou, neste ano, subprefeito da Cidade Tiradentes, ele viu que traficantes e criminosos atuavam como uma espécie de produtores culturais, distribuindo dinheiro. Isso ajudava a inflamar as já inflamadas letras dos funks, estimulando a violência e o consumo de drogas, com ataques à polícia e elogios à facção criminosa PCC.
Era ingrediente extra para deixar mais violentas as baladas, que terminavam ao amanhecer, muitas vezes, em brigas. "Joguei a regra do jogo."
Jogar a regra do jogo significava bancar as produções dos discos e viabilizar os shows. Como tinha muitas reclamações dos vizinhos por causa do barulho, aproveitou para determinar que as festas acabassem mais cedo. "Por causa de várias experiências, sabíamos que fechar os bares antes diminui a violência."
Para receber apoio, as bandas deveriam moderar a agressividade das letras -até porque não cairia bem para a prefeitura patrocinar elogios às drogas e ataques à polícia.
Toparam as condições e, então, se apresentaram num festival. Espertamente, algumas bandas criaram funks educativos e, assim, sonharam com um disco gravado. "Só não esperávamos que algumas músicas virassem hit por aqui". Afinal, chegaram a falar da importância de estudar e acatar as ordens das mães. O que era esporádico, como o festival e as eventuais gravações, a partir deste mês torna-se permanente.
Previsto para ser inaugurado neste mês, o centro cultura, batizado de Estação Juventude, foi montado em uma casa abandonada.
Ali, será possível gravar músicas gratuitamente e apresentar shows, além de ser um local para as mais diversas oficinas. "Estou aprendendo a lidar com a rebeldia."
PS- Está no site (www.dimenstein.com.br) as músicas produzidas pelos jovens. Está aí uma homenagem interessante à rebeldia de Tiradentes -o que se ve lá, até hoje, uma das regiões mais pobres de São Paulo, nada tem a ver com independência.
Da Folha de Sãó Paulo de 05/08/09
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