sexta-feira, 23 de outubro de 2009

A censura está de volta


ROBERTO MUYLAERT


A censura prévia dos tempos da ditadura parece ressurgir das cinzas, com renovado e descarado vigor, em pleno regime democrático

NOS 20 anos em que durou o regime militar, não era necessário ser de extrema esquerda para se defrontar com a censura a cada passo -como empresário editorial, profissional de imprensa ou mesmo como leitor.
As notícias proibidas pelos censores não podiam ser deixadas em branco no jornal, assim como não era permitido fazer menção no próprio veículo censurado às restrições impostas às Redações, onde um censor tinha sempre cadeira cativa.
Foi quando surgiram os famosos trechos de "Os Lusíadas", de Camões, no "Estado de S. Paulo" e as receitas culinárias no "Jornal da Tarde" em substituição aos parágrafos eliminados pela censura.
Na televisão, os produtores precisavam assistir aos programas novos, ainda não exibidos, com um censor sempre ao lado, que poderia interromper a exibição a qualquer momento para esclarecimentos e exigência de mudanças.
No programa "Vox Populi", criado por mim e Carlos Queiroz Telles na TV Cultura na década de 70, a entrevista sensação seria a de um metalúrgico carismático, líder sindical de São Bernardo do Campo (SP), em sua estreia na televisão.
Era o primeiro programa de entrevistas na TV permitido pelo regime militar, que partia do princípio de que, ao aprovar um programa como aquele, em emissora com audiência restrita, estaria mostrando certa liberalidade em relação ao controle que exercia sobre as mídias, ao mesmo tempo em que corria risco tolerável, não tão grande quanto se a transmissão fosse numa emissora comercial.
Aquele "Vox Populi" era aguardado com expectativa pelas autoridades do governo, que desejavam descobrir o que passava na cabeça daquele líder que julgavam de extrema esquerda, chamado Lula, e que riscos estariam correndo quando ele expusesse seus pontos de vista e a sua oratória na TV.
No estúdio da TV Cultura, num domingo à noite, com a emissora quase deserta, enquanto se aguardava, por via das dúvidas, o início da transmissão do programa já gravado, irrompe um oficial do corpo de paraquedistas exigindo, enérgico, a fita do programa, que, segundo ele, não iria ao ar de forma alguma.
Depois de vários telefonemas para as autoridades que aguardavam a transmissão, mais a interferência do governador de São Paulo, o programa foi oficialmente liberado e exibido ao impaciente oficial, que precisou se conformar, bastante irritado, com a situação de fato, embora ele fosse um livre atirador, agindo por conta de um grupo que não concordava com esse tipo de abertura.
Outro fato testemunhado por inúmeros jornalistas foi o enterro de Vladimir Herzog, conduzido com muita rapidez para evitar incidentes e presenciado por alguns presos que estavam sendo torturados nos quartéis, simultaneamente a Herzog, e que foram conduzidos à cerimônia, por tempo reduzido, apenas para provar que estavam vivos.
No culto ecumênico de sétimo dia de Herzog, na catedral da Sé, ninguém estranhou quando um "acidente" interrompeu o trânsito na av. Nove de Julho e limitou o grande afluxo de pessoas que se dirigiam à Sé.
Assim como foi considerado compatível com a situação política alguns andares de um edifício comercial contíguo à catedral estarem ocupados por uma dezena de fotógrafos oficiais, cuja missão era fazer o registro de todos os que chegavam à missa.
Todas essas peripécias precisavam ser encaradas, na época, por aqueles que deviam conviver com as restrições, por obrigação profissional, num regime de exceção.
Mas agora, num Estado democrático de Direito, torna-se quase impossível entender a censura imposta há três meses ao jornal "O Estado de S. Paulo", proibido de divulgar informações sobre Fernando Sarney - filho do senador José Sarney-, indiciado pela Polícia Federal por falsificação de documentos para favorecer empresas em contratos com estatais.
Uma clara violação do direito de livre expressão, garantido pela Constituição brasileira e por convenções internacionais subscritas pelo Brasil. O processo foi transferido para a Justiça Federal de primeira instância do Maranhão, capitania em que a família Sarney exerce reconhecida influência.
Fica assim conspurcado o direito da sociedade brasileira à livre informação sobre assuntos de interesse público, numa situação esdrúxula, em que a censura prévia dos tempos da ditadura parece ressurgir das cinzas, com renovado e descarado vigor, em pleno regime democrático.


ROBERTO MUYLAERT , 74, jornalista, é editor, escritor e presidente da Aner (Associação Nacional dos Editores de Revistas). Foi presidente da TV Cultura de São Paulo (1986 a 1995) e ministro-chefe da Secretaria da Comunicação Social (1995, governo FHC).

Fonte Folha de São Paulo de 23/10/09

Rio ao alvo

Não é preciso acabar com a violência no Rio para realizar a Olimpíada. A Rio 92 e o Pan tiveram esquemas pontuais de segurança. E deram certo.
É preciso reduzir a violência por amor ao Rio. Nossa singularidade: o tráfico de drogas e as milícias ocupam militarmente parte do território. Sem um plano de libertação das pessoas sob o jugo dessas forças, tudo vira conversa fiada.
Um plano para liberar quase 600 comunidades não quer dizer plano piloto, feito num só lugar para atrair a imprensa. Significa recurso humano, equipamento e dinheiro.
No Haiti, gastamos mais que no Rio, e lá foram pacificadas duas áreas: Bel-Air e Cité Soleil. Ambas estão situadas numa área plana, ao contrário das quase 600 cariocas, a maioria em morros. Ao contrário do que muitos pensam, a polícia carioca, na sua maioria, é favorável a reformas e, nas eleições, vota com propostas de mudança.
O que está faltando é um projeto de liberação que possa ser verificado em suas diferentes etapas. Isso deveria partir de um presidente. Tanto Lula como Fernando Henrique mantiveram uma distância olímpica desse tema.
É como se a questão policial não fosse nobre o bastante para ocupar um estadista. Cá para nós, no Afeganistão, derrubam helicópteros e é uma guerra. O problema no Rio não é só a derrubada de helicópteros, mas a aparição de corpos em carros de supermercado.
É toda uma ideia de civilização brasileira que é implodida por essas imagens. Esqueçam a Olimpíada. Concentrem-se numa ideia de país que se dissipa na fumaça dos tiros, nos corpos amontoados em porta-malas. Por amor ao Rio, esqueçam a interface com o mundo, concentrem-se nas fronteiras da barbárie.
Há anos que esperamos uma resposta e só ouvimos o matraquear das armas, a explosão de granadas.

Texto de Fernando Gabeira na Folha de São Paulo de 23/10/09

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Ruralistas: os novos senhores de escravos

Iriny Lopes
A tentativa de criminalização do MST por parte de ruralistas não é recente. Uma liderança sem terra do Espírito Santo costuma dizer que para os latifundiários “pior do que pobre é pobre organizado”. Essa é a história do escravismo reprisada num moto-contínuo desde o Brasil colonial. Os sem terra de hoje são os negros do passado (e do presente também). Os assentamentos são os quilombos que os senhores de engenho da atualidade pretendem dizimar, usando, como outrora, forças policiais, políticas, judiciárias, além do aparato midiático. Só isso justifica a última investida da CNA contra o MST, ao encomendar ao Ibope uma pesquisa deliberadamente direcionada e com amostragem frágil, para demonstrar o fracasso da reforma agrária. Nenhum pesquisador mais atento consideraria significativo generalizar a realidade de mais de oito mil assentamentos, onde vivem 870 mil famílias, através de um levantamento feito em apenas nove assentamentos, envolvendo mil famílias. Isso significa 0,1% do total. Um dos locais escolhidos pela CNA/Ibope é um assentamento da década de 70, dentro do Projeto Integrado de Colonização, portanto, da ditadura militar, e que já está incorporado à região metropolitana de Recife (PE). É curioso que tenha sido escolhido um exemplo que não pode sequer ser considerado assentamento. Esse é apenas um dos fatos questionáveis nesse trabalho.É no mínimo desonesto querer analisar a Reforma Agrária sob a ótica do capitalismo e colocar como parâmetro de produtividade o agronegócio que a CNA defende. Reforma Agrária para os sem terra, assim como para quilombolas e índios (igualmente vítimas da invasão de terras, da grilagem desmedida dos grandes negócios), não é apenas ocupação territorial. É questão de vida, de cidadania, de segurança alimentar, de cultura e história de um povo. Em 1988, a sociedade brasileira, calada e oprimida por um regime militar que durou duas décadas, foi às ruas e exigiu que os parlamentares constituintes garantissem na lei máxima do país direitos negados há mais de 500 anos por uma elite que continua, como antes, voraz, violenta e, para ser redundante, antidemocrática. A Constituição de 88 é o retrato do que nós brasileiros consideramos o mínimo de reparação. Terras devolutas, griladas, improdutivas devem ser, necessariamente, destinadas à Reforma Agrária. Comunidades tradicionais, como quilombolas e indígenas têm direito ao reconhecimento de suas áreas. Em qualquer lugar do mundo lei é para ser cumprida. No Brasil, desde a invasão portuguesa, existe para ser “interpretada” e aplicada conforme o interesse de latifundiários, dos grandes projetos, da elite, com anuência do Judiciário. Um exemplo claríssimo é o da transnacional de sucos Cutrale, em São Paulo, cujo tratamento privilegiado fica evidente nas imagens que a TV repetiu exaustivamente, de sem terras destruindo pés de laranja. A Comissão Pastoral da Terra lembra que a área invadida pela multinacional faz parte de um complexo de 30 mil hectares divididos em várias fazendas e que pertencem à União. “A fazenda Capim, com mais de 2,7 mil hectares, foi grilada pela Sucocítrico Cutrale” há quase cinco anos, sabendo que se tratava de invasão de terra pública.Diz a CPT: “a ação dos sem terra tinha intenção de chamar a atenção para o fato de uma terra pública ter sido grilada por uma grande empresa e pressionar o Judiciário, já que, há anos, o Incra entrou com ação para ser imitido na posse destas terras que são da União. As primeiras ocupações na região aconteceram em 1995. Passados mais de 10 anos, algumas áreas foram arrecadadas e hoje são assentamentos. A maioria das terras, porém, ainda está nas mãos de grandes grupos econômicos”.Quem foi criminoso nessa história: a multinacional que invadiu deliberadamente uma área pública, contando que terá uma regularização fundiária a seu favor, ou 450 famílias que aguardam há mais de cinco anos, acampadas em lonas na beira de estrada, debaixo de sol e chuva, que o governo e o Judiciário cumpram a Constituição e destinem as terras para reforma agrária? Temos no Espírito Santo situação semelhante com a Fazenda Ipiranga, em Ponto Belo. Há nove anos, as famílias esperam acampadas pela resolução do caso. O processo já concluiu pela destinação da área para fins de Reforma Agrária, faltando apenas uma assinatura para conclusão. Reconhecer direitos significa efetivá-los na prática. Os ataques do que o MST tem sido vítima nos últimos anos não é gratuito. A criminalização faz parte de uma estratégia para dizimar resistências. O que é crime neste país, cuja lei existe para ser ignorada pelo próprio Judiciário: 1% de todos os proprietários controlarem 46% das terras (cerca de 98 milhões de hectares), ou mantermos durante décadas 130 mil famílias brasileiras (um número que aumenta conforme a curva da desigualdade) acampadas à beira da estrada, à espera de um pedaço de terra para plantar e sobreviver?Esse parâmetro cruel e desigual faz com que o país, a despeito dos avanços sociais do governo Lula, não consiga reverter sua sina, a hereditariedade, as sesmarias de antigamente e suas violências diárias contra os pobres desse lugar.Não são esses poucos latifundiários que colocam alimento na mesa do brasileiro. Isso, o Censo agropecuário de 2006, divulgado recentemente, revelou. A agricultura familiar (na qual se inclui assentamentos), embora ocupe apenas 24,3% da área total dos estabelecimentos agropecuários, é responsável por 40% do Valor Bruto da Produção gerado. E é ela também quem mais emprega: é responsável por 75% da mão-de-obra no campo. O Censo nos diz ainda algo que devemos analisar com a responsabilidade que a nossa função pública exige: o Brasil é o país com maior concentração de terras do planeta. Tanta desigualdade é, por si mesma, uma violência que nós parlamentares não podemos assistir passivamente. E aqui evoco a memória do amigo, companheiro camponês Adão Pretto, que como deputado federal defendeu durante anos os sem terra dos ataques da imensa bancada ruralista, que queria, inclusive, classificar o MST como entidade terrorista, na CPMI da Terra. Adão era um, mas quando defendia seu povo parecia um exército. Como se centenas de ancestrais estivessem a lhe dar força necessária para encarar a maior bancada do Congresso. Meu querido companheiro se foi nesse início de ano. Adão não está mais aqui, mas a sua luta não morreu. E é em nome dela que conclamo todos os companheiros de esquerda do Legislativo, àqueles que não toleram a injustiça, a desigualdade, que não conseguem assistir indiferentes a fome e a miséria de um povo, construídas pelos lucros das grandes empresas e dos latifúndios, que levantem a voz contra a criminalização dos movimentos sociais. Porque eles são maioria de direito e de fato nesse país. E é em nome deles e em memória de Adão Pretto que eu respondo aos que nos julgam distantes da luta: “presente”.
Iriny Lopes é deputada federal (PT-ES), integrante das comissões de Direitos Humanos e Minorias e de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Desmatamento zero, JÁ!

Desmatamento zero, sem arreglo



Os produtores de alimentos e a militância ambientalista não são incompatíveis e podem ser forças solidárias se desfeitas as desconfianças

O S PRODUTORES de alimentos e a militância ambientalista não são incompatíveis e podem ser forças solidárias se forem desfeitas, ponto a ponto, as desconfianças que nos separam.
Considero perfeitamente possível que os dois lados firmem compromisso essencial de preservação dos recursos naturais sem prejuízos à segurança alimentar do país. De minha parte, insisto na proposta: que o primeiro de todos os compromissos seja o "desmatamento zero nas florestas".
Defendo a punição severa para quem desmatar floresta nativa na Amazônia e na mata atlântica. Acredito que o Brasil pode assumir esse compromisso radical em dezembro, na cúpula do meio ambiente de Copenhague, que se reunirá para definir o novo acordo que substituirá o Protocolo de Kyoto.
Para a agropecuária brasileira, comprometida com a questão ambiental e interessada no financiamento da redução das emissões de CO2, o governo brasileiro não tem que hesitar ou precaver-se. Não. Vamos mesmo para o desmatamento zero, sem arreglo. O país dispõe de terras, em processo de produção e com reservas para a expansão possível, suficientes para manter o abastecimento interno e exportar.
O que falta, e disso está ciente a opinião pública internacional -como se viu em Nova York, no mês de setembro, na rodada de manifestações de chefes de Estado que participaram da abertura da Assembleia da ONU-, é o estabelecimento de compensações aos produtores pela preservação das áreas de cobertura florestal sob sua responsabilidade.
Esse apelo justo e amplamente reconhecido é devido a quem paga um preço alto deixando de explorar suas propriedades, enquanto outros obtêm lucros e poder emitindo gases, especialmente o CO2, causadores do efeito estufa que ameaça o equilíbrio do planeta.
No plano interno, é preciso consolidar as áreas atuais de produção -um direito líquido e certo, pois foram incorporadas ao uso da agropecuária antes que fossem estabelecidas as atuais restrições. Não há sentido nas denúncias demagógicas e vagas que ameaçam a produção de trigo, arroz, milho, carne e frutas.
Em 40 anos, o peso do preço dos alimentos no orçamento das famílias brasileiras caiu de 48% para 18% e pode cair ainda mais, chegando brevemente a apenas 12%, dependendo da melhoria das condições de transporte (estradas, ferrovias e portos) e da desoneração dos impostos na cadeia de alimentos.
Até mesmo questões aparentemente polêmicas -como as chamadas APPs (áreas de preservação permanente) das margens de rios, encostas e topos de morro ou áreas sensíveis, que devem ser reflorestadas- podem ser resolvidas mediante a arbitragem insuspeita e precisa da ciência, cujos critérios e instrumentos (mapas pedológicos e levantamentos altimétricos, entre outros) prescindem de opiniões apaixonadas ou leigas e podem ser aplicados regionalmente por legislação estadual.
Regras claras, realistas e permanentes, que reconheçam os avanços de produção e de produtividade conquistados pela agricultura e que já não podem regredir, sob pena de aumento no preço dos alimentos e de queda das exportações, são essenciais ao entendimento. Vamos reconhecer e reparar nossos erros com humildade e racionalidade.
A quem mais do que à agropecuária as mudanças climáticas afetam decisivamente a ponto de levar à inviabilidade? Seriam os agricultores suicidas? Ou, por acaso, há setor econômico -ou qualquer outra atividade produtiva- que mais dependa da água e da terra do que a agropecuária? Seria justo com o Brasil importar alimentos de países que não têm leis ambientais claras e que já dizimaram todas as suas florestas?

Texto de KÁTIA ABREU, senadora da República, na Folha de São Paulo de 19/10/09

Ao mestre, com desprezo

Ao mestre, com desprezo

Em março, um professor de história, filho de um amigo meu, foi desacatado em sala por três alunos num colégio em Moema, zona sul de São Paulo. O mestre deu queixa na diretoria. Esta apoiou os desordeiros. O professor pediu demissão e foi para casa, onde teve uma crise nervosa. Passa agora por uma síndrome do pânico. A orientadora da escola, única pessoa a apoiá-lo, foi demitida.
Este é um colégio de classe média, em que os alunos se sentem com privilégios pelo fato de pagar altas mensalidades. Mas, nas escolas públicas, a realidade é ainda pior. Mais de cem casos de alunos que desrespeitam professores são relatados diariamente à Secretaria Estadual da Educação de São Paulo por um sistema de registro de ocorrências do gênero. A maioria dos casos vem da região metropolitana de São Paulo.
São alunos que desprezam a liturgia da escola, saem da sala sem autorização do professor e o ofendem verbalmente quando ele ousa protestar contra a zorra. Usam toda espécie de aparelho eletrônico durante a aula, de celular a iPod, e, certos da impunidade, destroem equipamentos ou instalações da escola na frente dos colegas e funcionários. Uma das principais diversões é pôr fogo nas lixeiras.
É o terror. As escolas cogitam instalar câmeras em suas dependências, para ter provas documentais contra os vândalos e padronizar as informações, o que permitirá estabelecer estratégias de combate à violência. Mas nada impede que os cafajestes -difícil chamá-los de alunos- roubem também as câmeras e riam das estratégias.
Os jovens valentões que agrediram o professor em Moema (aliás, com o apoio da classe) foram expulsos do colégio meses depois. Mas não por indisciplina. Deixaram-se apanhar traficando drogas dentro das instalações.

Texto de Ruy Castro na Folha de São Paulo de 13/10/09

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Quase metade dos jovens brasileiros vive na pobreza


Estudo do IBGE mostra que o combate à pobreza no Brasil teve resultados, mas que a situação de grande parte da população, em especial os jovens, ainda é precária

Valter Campanato/ABr
DRAMA Imagem mostra residência em Carnaúbas do Piauí, uma das cidades mais pobres do Brasil. Segundo o IBGE, quase metade dos jovens vivem com renda familiar per capita menor que meio salário mínimo

A pesquisa Síntese de Indicadores Sociais, divulgada nesta sexta-feira (9) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), detalhou alguns progressos feitos pelo Brasil nos últimos anos em relação à pobreza e à miséria, mas mostrou que ainda há um longo caminho a percorrer para resolver este problema.

De acordo com os dados do levantamento, quase metade (44,7%) dos jovens brasileiros com menos de 17 anos – que representam 30% da população – vivia em 2008 em famílias com renda per capita menor que meio salário mínimo, a faixa que, segundo os critérios da pesquisa, define a pobreza.

A situação mais precária é da região Nordeste, onde 66,7% dos jovens viviam com esta renda. A outra região onde mais da metade dos menores de 17 anos é pobre é a Norte, com 53,7%. No Centro-Oeste são 35%, no Sudeste, 31,5% e, no Sul, 28,7%.

Um dado positivo revelado pelo IBGE é a diminuição do número de jovens que vivem na extrema pobreza, classe delimitada por ganho familiar per capita inferior a um quarto de salário mínimo. Esta porcentagem estava, em 2008, em 18,5% dos jovens, mas em 1998 chegou a ser de 27,3%.

Novamente, a pior situação é do Nordeste, onde 34,4% dos jovens vivem na miséria. Alagoas lidera este ranking, com 43,1% dos menores de 17 anos na pobreza extrema. A região Sul (7,9%) e o Estado de Santa Catarina (4,5%) estão na outra ponta da lista.

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Ficha Limpa: presunção de inocência é para o direito penal

''Presunção de inocência é para o direito penal''

Organizador da campanha Ficha Limpa diz que sociedade tem direito de estabelecer critérios para um político se candidatar

Uma das principais vozes do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), Marlon Reis foi um dos organizadores da campanha Ficha Limpa, que, em pouco mais de um ano, coletou 1,3 milhão de assinaturas em defesa do projeto que proíbe a candidatura de políticos condenados pela Justiça. Reis, que é juiz eleitoral e comanda a Associação Brasileira de Magistrados, Procuradores e Promotores Eleitorais (Abramppe), diz estar confiante na aprovação da proposta no Congresso e destaca que serão poucos os parlamentares atingidos pela medida.


O projeto de iniciativa popular foi protocolado na Câmara no final de setembro. Deverá ser votado até junho do ano que vem, prazo final de registro das candidaturas, para que possa valer na eleição de 2010, segundo o entendimento de alguns especialistas.

Para ele, o princípio da presunção de inocência, que impede a punição de um acusado antes de esgotadas todas as instâncias de defesa, não pode ser invocado quando se trata de políticos e eleições. "Inelegibilidade não é pena, é critério", argumenta. Abaixo, a entrevista.

De acordo com o projeto, o que define um ficha-suja?

A ideia é que as decisões condenatórias sobre alguns crimes sejam suficientes para impedir candidaturas, ainda que provisoriamente. E digo provisoriamente porque, desde que o político consiga reverter posteriormente o julgado, ou que cumpra toda a pena e ultrapasse o período de inelegibilidade, ele poderá voltar a concorrer. Há muitas dúvidas sobre algumas questões mais básicas.

Quais?

Primeiro, são alguns crimes específicos. Os delitos de menor potencial ofensivo e coisas que não são verdadeiramente infamantes não estão presentes no projeto. Os critérios de proteção para evitar o afastamento de pessoas de forma leviana são esses: a necessidade de que sejam ações movidas pelo Ministério Público e não por particulares, a necessidade de que haja uma condenação, e de que essa condenação seja por certos delitos que chamam a atenção da sociedade por sua conexão negativa com o eventual exercício de um mandato. Por exemplo, um homicídio culposo por conta de um acidente de trânsito - por mais graves que possam ser as circunstâncias - a gente não colocou no projeto. Homicídio doloso, sim. São apenas crimes de ação penal pública, ou seja, nos quais só o Ministério Público pode oferecer denúncia. Isso é para evitar justamente que pessoas movam ações contra adversários para evitar que se candidatem.

Como o sr. vê o argumento de que não é correto impedir uma candidatura de alguém sem a condenação em última instância? O projeto ignora a presunção de inocência?

Dentre as entidades que fazem parte do movimento estão muitas que lutaram para que nós tivéssemos hoje o reconhecimento do princípio da presunção de inocência. Mas esse princípio é de aplicação exclusiva ao direito penal. Foi criado para impedir casos que aconteciam no passado, em que se impunham penas criminais a pessoas que ainda tinham direito de defesa.

Pode citar exemplos?

Se o princípio fosse aplicado ao direito do trabalho, por exemplo, um empregado que tentasse matar o patrão não poderia ser demitido por justa causa antes que se julgasse a sentença penal condenatória. Nesse exemplo, o empregado não pode é ser preso e cumprir pena antes da sentença final, mas a demissão é imediata. Imagine uma pessoa que tenha sofrido condenação, apenas em primeiro grau, por haver violentado crianças. Ele poderia participar de um concurso público para professor de uma creche? Nesse caso, que é de direito administrativo, não há dúvida de que ele seria impedido de participar. Por isso é que, nos concursos públicos, se exigem as certidões criminais. Outro exemplo: o juiz da Infância e da Juventude submete aquele que pretende adotar uma criança a um estudo intensivo. E não se avaliam apenas aspectos criminais, mas até a personalidade da pessoa. Se paira contra ela uma denúncia que gerou condenação em primeira instância por crime sexual, o juiz jamais poderia conceder essa adoção. Eu poderia citar aqui todos os ramos do direito, com exceção do penal, e o princípio de presunção de inocência não se aplicaria. Na questão eleitoral também não se aplica. A inelegibilidade não é uma pena, é um critério. A sociedade pode estabelecer os critérios para a elegibilidade. Hoje se diz que devem ser pessoas maiores de idade, alfabetizadas, sem contas rejeitadas. E nós queremos apenas acrescentar mais um critério como requisito para a candidatura: que não tenham sentenças condenatórias por crimes graves.

O senhor tem ideia de quantas pessoas seriam atingidas no Congresso por uma lei como essa?

Até acho que pouca gente. Infelizmente, no Supremo Tribunal Federal, onde os membros do Congresso Nacional têm foro privilegiado, jamais houve qualquer condenação. O temor apresentado por alguns parlamentares chega a ser desarrazoado, pois o foro privilegiado tem servido como uma grande cobertura para eles.

Mas o simples acatamento de uma denúncia não poderia impedir uma candidatura?

Sim, mas nisso nós estamos dispostos a ceder. Não vamos exigir isso na redação final. Colocamos esse ponto como forma de chamar a atenção sobre a seriedade do tema. Mas estamos preocupados é com os princípios do projeto e não com a preservação da redação original. Para preservar o aspecto de que pessoas condenadas sejam impedidas de se candidatar, estamos dispostos a abrir mão da exigência de que pessoas com denúncias nos tribunais também fiquem de fora. É um ponto negociável.

Se os parlamentares não devem sofrer prejuízos, a quem a lei vai atingir?

Muitos prefeitos condenados por desvios de verbas. Nem tanto os atuais mandatários, mas muitos do que pretendem se candidatar no ano que vem serão impedidos.

Por que os próprios eleitores não vetam os fichas-sujas?

Isso se dá porque se desenvolveu na sociedade a noção de que a política é uma atividade para pessoas sem escrúpulos. Há uma desilusão e isso faz com que se tolerem pessoas que não deveriam estar na política. Muita gente pensa que nosso principal objetivo é o projeto de lei, mas nunca foi. O principal objetivo é levantar esse debate. Cada uma das 1,3 milhão de assinaturas que nós coletamos foi de uma pessoa que teve de ser esclarecida sobre do que se tratava. Nós estávamos na base da sociedade promovendo uma mudança de postura em relação à política. A campanha que sempre foi voltada para a educação da sociedade e para a dignificação da política.

Qual foi a trajetória até chegar a 1,3 milhão de assinaturas?

O primeiro passo foi a aprovação do projeto pela CNBB. A decisão de lançar a campanha Ficha Limpa foi aprovada no dia 10 de dezembro de 2007, em uma reunião ocorrida na sede do Conselho Federal da OAB. Em maio de 2008 nós apresentamos o projeto na assembleia-geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. E lá foi aprovado por unanimidade.A partir daí começou a coleta de assinaturas, por meio da capilaridade das 43 organizações que fazem parte do MCCE.

Houve dificuldades?

Nós enfrentamos muitas dificuldades. No começo, havia muita resistência por conta da questão da presunção de inocência, mas nós fomos vencendo isso. No final da campanha, já não havia problema nenhum. Foi muito importante para isso o apoio de grandes juristas, que declararam a constitucionalidade do projeto, como Aristides Junqueira, Celso Antonio Bandeira de Mello, Fábio Konder Comparato, entre outros. Outro percalço que tivemos foi o medo da população em alguns locais. No interior do Maranhão um padre me disse que não estava conseguindo assinaturas porque as pessoas tinham medo do prefeito, que tinha várias condenações e era tido como uma pessoa violenta. Nas favelas do Rio de Janeiro e na Baixada Fluminense ocorreu a mesma coisa.
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Texto de Daniel Bramatti em O Estado de São Paulo de 12/10/09

domingo, 11 de outubro de 2009

O Brasil das mulheres é mais educado

As mulheres, em 2008, já tinham mais de um ano de estudo em comparação com os homens: 9,2 anos


A UNIVERSIDADE de São Paulo decidiu selecionar, neste ano, estudantes de escolas públicas do ensino médio para passar um ano dentro dos seus laboratórios, onde conviveriam com pesquisadores e aprenderiam a pensar como cientistas. Dos escolhidos para ganhar essa bolsa de iniciação científica, 80% são meninas.
Traduzindo o emaranhado de estatísticas sociais divulgadas pelo IBGE na sexta-feira passada, dá para ver que essas meninas que entraram nos laboratórios não são um fato isolado -e serve para comemorar o Dia da Criança, celebrado amanhã.
O que chama a atenção é menos as informações sobre as crianças, mas sim o que vem ocorrendo com as mulheres -ou seja, com as mães ou futuras mães.
Um dos fatos novos da paisagem social brasileira é a mudança da mulher. A mulher superou a escolaridade dos homens, não para de crescer sua posição no mercado de trabalho e consegue planejar melhor o número de filhos. O que, em síntese, significa dizer que as crianças estão menos desprotegidas.


A situação geral é ruim, como mostraram mais uma vez as estatísticas. De acordo com o IBGE, cerca de metade dos brasileiros até 17 anos viviam, no ano passado, em famílias pobres -menos de meio salário mínimo per capita. No NE, sobe para 67%. É ruim, mas seria ainda pior sem o programa Bolsa Família.
Até se verificaram avanços na matrícula em creches. Mas não passaram de 18% do total de criança. Ainda, portanto, muito pouco. Mais expressivos são os avanços da mulher, o que sugere, para o futuro, uma infância menos vulnerável.


As mulheres têm menos filhos, segundo os dados do IBGE, reafirmando uma tendência de muitos anos. Vejam os números absolutos -e aí a estatística impressiona.
Em 1998, foram cerca de 700 mil partos em adolescentes entre 10 e 19 anos; agora, são 485 mil.
Refletindo o que ocorre nos grandes centros, o movimento na cidade de São Paulo é ainda mais intenso, segundo informações de autoridades de saúde paulistas. Em 2000, registraram-se 34.608 casos de gravidez precoce; em 2007, 24.296, ou seja, uma queda de 30%. Por causa de uma série de programas como a distribuição de anticoncepcionais (inclusive pílula do dia seguinte) no metrô e estações de trem, a tendência é se acelerar.


O melhor preservativo, porém, está mesmo na cabeça. As mulheres, em 2008, já tinham mais de um ano de estudo em comparação com os homens: 9,2 anos. Em cada cem pessoas com ensino superior, 57 são mulheres -é só uma questão de tempo para ganharem mais do que os homens.
Em 2008, 47% das mulheres estavam empregadas; em 1998, 42%.


Há uma série de consequências previsíveis no fato de a mulher ter mais emprego e escolaridade. O debate sobre a qualidade de ensino só tende a crescer. Não será por muito mais tempo que provocará pouco barulho os exames mostrando que os alunos saem das escolas públicas sem ler nem escrever direito.
Tende a crescer -e muito- a pressão por mais creches. Até porque é consenso entre estudiosos sobre a importância de estimular as crianças nessa idade. Certamente haverá mais pressão para as várias ações, espalhadas em saúde, lazer, esporte, cultura, que signifiquem o desenvolvimento de habilidades.


Educação em tempo integral irá, em breve, para o topo da agenda.
Não precisará ser todo o tempo na escola, mas em alguma atividade educativa. Uma das notícias mais interessantes sobre a infância brasileira é a expansão da jornada escolar, com uso complementar dos espaços da cidade. Para a mulher que trabalha, dá mais segurança saber que o filho está menos na rua ou trancado em casa vendo televisão.
Não é à toa que os prefeitos que implantaram educação em tempo integral tiveram reconhecimento nas urnas nas eleições passadas.
Uma das mais férteis decisões de Lula (e quase desconhecida) foi criar um fundo para dar mais dinheiro aos prefeitos e governadores que ampliarem a jornada escolar.


É uma agenda, vamos reconhecer, mais sofisticada do que as dos homens. Digo isso porque, nas reuniões de pais e mestres das escolas públicas, quem vai mesmo (isso quando vai) é a mãe.


PS - Pelos meus critérios, foi muito mais importante para a paisagem do Rio ter implantado, em suas regiões mais pobres e violentas, um programa de bairros educativos, com ampliação da jornada escolar, do que as Olimpíadas. Esperem para ver.
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De Gilberto Dimenstein na Folha de São Paulo de 11/10/09