quarta-feira, 30 de setembro de 2009

CENSURA

TJ-DF se diz incompetente para julgar ação e mantém proibição a jornal no caso Fernando Sarney

A 5ª Turma Cível do TJ (Tribunal de Justiça) do Distrito Federal e Territórios decidiu que o próprio tribunal é incompetente para julgar o caso em que o jornal "O Estado de S. Paulo" foi proibido de publicar informações da Operação Boi Barrica (rebatizada de Faktor), da Polícia Federal.
A investigação da PF tem, entre os alvos, Fernando Sarney, filho do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP).
Segundo a assessoria do TJ, com a decisão do tribunal, a liminar concedida pelo desembargador Dácio Vieira, em 31 de julho, vetando a divulgação das informações, continua valendo. O caso foi transferido para a Justiça Federal Cível do Maranhão.
Em setembro, o Conselho Especial do Tribunal de Justiça do Distrito Federal decidiu afastar, por suspeição, o desembargador do caso. Na ocasião, foram julgados dois pedidos do jornal que tentavam afastar o juiz.
O primeiro argumentava que ele é amigo do ex-diretor-geral do Senado Agaciel Maia, ligado a Sarney, e que Vieira ocupava cargo de confiança na Casa antes de ser nomeado para o TJ-DF. Para os desembargadores do conselho, isso não acarretava suspeição.
O segundo argumentava que Vieira havia criticado o jornal ao se defender, por escrito, do primeiro pedido de afastamento. Por 10 votos a 2, decidiram afastá-lo. O afastamento, no entanto, não anula as decisões de Vieira no caso.

Fonte: Folha Online
http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u631425.shtml

Os valores do Supremo

BRASÍLIA - Por 42 dias, o Supremo Tribunal Federal assistiu, impassível, à Câmara dos Deputados desrespeitar uma decisão tomada por um de seus ministros.
Marco Aurélio Mello havia concedido à Folha uma liminar (decisão provisória) franqueando o acesso a notas fiscais entregues por deputados para justificar gastos com verbas indenizatórias no final de 2008. Os detalhes dessas despesas são secretos desde a sua criação, há quase uma década. Enredado em uma de suas crises cíclicas de credibilidade, o Congresso passou a mostrar as notas apenas a partir de abril deste ano. O passado ficou enterrado -junto com todas as possíveis irregularidades.
Na última quarta-feira, o STF derrubou a liminar de Marco Aurélio pelo placar de 6 a 4. A maioria considerou imprópria uma decisão provisória irreversível. Uma vez divulgadas as notas fiscais, seria inútil julgar o mérito da causa.
Foi um bom argumento a favor de um péssimo conceito. Até porque o mérito em questão é decidir se vigora no Brasil o acesso livre a informações públicas -como está expresso na Constituição. Aos olhos do STF, esse direito ainda é algo abstrato. Pior. A maioria dos magistrados não se incomodou com a humilhação de 42 dias imposta pela Câmara ao Supremo.
Coube à ministra Ellen Gracie sintetizar na quarta-feira como o acesso a informações públicas é um valor relativo naquela Corte: "É grande o número de parlamentares, deve ser grande o número de notas [fiscais]. Indago se existe razoabilidade em um pedido que não aponta qual é a investigação".
Pela curiosa lógica da ministra, que prevaleceu no STF, jornalismo no Brasil agora deve seguir duas regras. Primeiro, evitar requerer dados públicos muito numerosos. Segundo, quando pedir informação a um Poder de República, sempre explicar detalhadamente qual é a investigação em curso.

FERNANDO RODRIGUES

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz0310200904.htm

Conectas Direitos Humanos

MISSÃO

Conectas Direitos Humanos é uma organização não-governamental internacional, sem fins lucrativos, fundada em outubro de 2001 em São Paulo – Brasil, com a missão de promover o respeito aos direitos humanos e contribuir para a consolidação do Estado de Direito no Sul Global (África, Ásia e América Latina).
Para tanto, Conectas desenvolve programas que propiciam o fortalecimento de ativistas e acadêmicos em países do hemisfério sul e fomentam a interação entre eles e com as Nações Unidas. No Brasil e em âmbito regional, Conectas também promove ações de advocacia estratégica e de interesse público.
Em janeiro de 2006, o Comitê das Nações Unidas para Organizações Não-Governamentais aprovou o pedido de Status Consultivo da Conectas na ONU.

HISTÓRICO

O estabelecimento ou retorno à democracia em inúmeros países do hemisfério sul – África, América Latina e Ásia – ampliou a expectativa de todos em relação a um maior respeito pelos direitos humanos. Apesar disso, tanto a violação desses direitos quanto a insegurança social persistem. Seja por incapacidade ou falta de vontade política, muitos Estados não asseguram aos seus cidadãos tais direitos fundamentais.
Diante desse quadro, organizações da sociedade civil e ativistas de direitos humanos deparam-se com o importante desafio de transformação dessa realidade. As organizações de direitos humanos são um dos principais atores na luta pela efetivação dos direitos econômicos, sociais, culturais, civis e políticos, visando fortalecer práticas democráticas e consolidar as demandas por transparência e eficiência do poder público. É importante ressaltar que esses direitos fundamentais foram construídos e reforçados por meio de tratados internacionais firmados no âmbito das Nações Unidas e de outras organizações multilaterais.
Para que o trabalho dessas organizações tenha êxito, são de extrema importância tanto o acesso a recursos e práticas bem sucedidas em âmbito local e internacional, quanto o estabelecimento e participação dessas organizações em redes internacionais de cooperação. A importância dessa demanda foi reafirmada pelas organizações participantes do Colóquio Internacional de Direitos Humanos, organizado pelo Consórcio Universitário pelos Direitos Humanos - acordo de cooperação entre a Universidade de São Paulo, a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e a Columbia University, de Nova York, EUA.
Nesse contexto, visando construir um ambiente colaborativo e fortalecer a troca de experiências entre as organizações de direitos humanos do hemisfério sul, foi criada a organização não-governamental Conectas Direitos Humanos.
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Para se informar sobre as atividades do CONECTAS, conecte

http://www.conectas.org/index.php?idioma=pt

terça-feira, 29 de setembro de 2009

Entidades entregam a Temer projeto sobre ficha limpa

O Movimento de Combate a Corrupção Eleitoral entrega hoje ao presidente da Câmara, Michel Temer, o projeto de iniciativa popular que institui a chamada "ficha limpa" obrigatória para os candidatos nas eleições em todos os níveis. O projeto de lei recebeu 1,3 milhão de assinaturas, coletadas pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). O texto torna inelegível candidato condenado em primeira instância ou denunciado por crimes como improbidade administrativa, uso de mão-de-obra escrava e estupro.A Câmara já analisa proposta do Executivo (PLP 446/09) que impede o registro eleitoral dos candidatos condenados em decisão colegiada em qualquer instância ou em decisão de primeira instância transitada em julgado. A data de entrega da projeto popular foi escolhida para coincidir com a comemoração dos 10 anos da lei de iniciativa popular mais notória do Brasil, a Lei 9849/99, que tipifica o crime da compra de votos. O presidente da Associação Brasileira de Magistrados, Procuradores e Promotores Eleitorais (Abramppe), Marlon Reis, diz que é possível fazer a lei valer já para 2010, pois o Supremo Tribunal Federal já decidiu que lei de inelegibilidade não precisa obedecer ao prazo de aprovação de um ano antes das eleições. A Abramppe é uma das 43 entidades que compõem o movimento.Os coordenadores do movimento anunciaram que, a depois da entrega, vão iniciar uma campanha junto aos parlamentares para agilizar a tramitação da proposta e obter apoio para sua aprovação.A entrega da proposta está marcada para as 11h30, no Salão Verde.

Fonte: Agência Câmara Tel. (61) 3216.1851/3216.1852Fax. (61) 3216.1856
E-mail:agencia@camara.gov.br

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Analfabetismo

Você já encaminhou um analfabeto para a escola?

Gasto de R$ 2 bi reduz pouco o analfabetismo

Seis anos após início do programa Brasil Alfabetizado, índice nacional caiu apenas 13% entre 2004 e 2008, segundo o IBGE

Para MEC, queda não é proporcional ao esforço; 1 de cada 10 brasileiros com 15 anos ou mais não sabe ler nem escrever um bilhete simples.


Vou repetir a pergunta: Você já encaminhou um analfabeto para a escola?

Declaração Universal Dos Direitos Dos Idosos

Embora poucas pessoas saibam, há muitos anos a ONU – Organização das Nações Unidas, a qual o Brasil é um de seus integrantes e signatários de seus tratados internacionais, promulgou uma Declaração Universal dos Direitos dos Idosos.

Apresentamos abaixo as suas cláusulas como instrumentos objetivos de reflexão e conscientização para que a velhice ganhe cada vez maior visibilidade social, aprimorando-se os pressupostos básicos da cidadania e dignidade, inerentes a todos os seres humanos:

1 – Todo idoso tem o direito a continuar a viver em sua própria casa, cidade e ambiente social.

2 – É de máxima urgência reprimir o crescente número de crimes e a violência contra os idosos.

3 – As pessoas de mais idade devem decidir que tipos de assistência preferem e como ela deve ser feita.

4 – É preciso reduzir ou eliminar as restrições ao trabalho voluntário e aos empregos de meio expediente nas instituições geriátricas, isto é, que dão assistência aos idosos.

5 – O governo deve garantir a todos os idosos uma renda adequada á sua sobrevivência, através de assistência direta às famílias e de um sistema de pensões para aposentados.

6 – O idoso portador de deficiência física merece toda a atenção para que seja readaptado ao convívio social.

7 – A população deve ser ensinada a cuidar das pessoas idosas de forma adequada.

8 – É cada vez mais necessário prevenir a adiar os efeitos negativos da velhice sobre o organismo.

9 – É prioritário garantir a qualidade dos serviços prestados pelas instituições de assistência aos idosos.

10 – Deve ser incentivada a formação de grupos e movimentos dos idosos.

11 – Devem ser criadas ocupações destinadas a manter as pessoas úteis e ativas enquanto for possível.

12 – Que se incentivem os jovens a dar assistência aos idosos e se mantenham as atividades conjuntas entre pessoas de várias gerações.

13 – Que se façam diagnósticos precoces e tratamento apropriado das doenças da velhice, para que possam ser prevenidas.

14 – Que se dêem assistência e apoio aos gravemente enfermos e à família, preparando-a para aceitar a perda.

15 – Devem ser desenvolvidos ao máximo os serviços de assistência ao idoso prestada nas casas especializadas.

16 – É preciso melhorar a qualidade de vida em todos os aspectos, tornando o idoso capaz, tanto quanto possível, de uma vida independente.

Fonte: http://www.conselhodoidoso.sp.gov.br/usr/share/documents/DECLARA%C3%87%C3%83O%20UNIVERSAL%20DOS%20IDOSOS.doc


A escolha do ministro do Supremo

O Supremo Tribunal Federal já abrigou ministros que enrubesceram o Judiciário. Na história recente, Francisco Rezek e Nelson Jobim são os mais notórios: fizeram com que o princípio da separação dos Poderes parecesse ser uma questão de guarda-roupa. De toga, eram juízes. Sem ela, políticos.
Rezek largou o tribunal após presidir a eleição de 89. Foi servir o vitorioso Collor no governo. Em 92, voltou ao STF pelas mãos do próprio, para deixar o tribunal de novo cinco anos depois. Patrocinado por FHC, foi para a Corte de Haia.
O currículo de Jobim não é menos brilhante. Ministro do tucano, foi indicado para o STF. Saiu-se tão bem na função que recebeu o apelido de líder do governo no Supremo. Depois, abandonou a Casa querendo ser vice de Lula. Não foi, mas ganhou cargo na Esplanada.
Rezek e Jobim são lembrados agora em razão da indicação do antigo advogado do PT José Antonio Toffoli para o STF por Lula. Talvez a comparação não seja justa -Toffoli, quem sabe, pode se tornar um excelente ministro, independente e isento, e dignificar o Supremo-, mas o ponto não é esse.
O problema é que esse modelo de escolha é frágil na medida em que provoca um entrelaçamento demasiado entre os Poderes -e o Executivo inevitavelmente acaba influenciando o pensamento jurídico.
Alguém imagina que um presidente vá escolher um ministro cujos pontos de vista sejam completamente diferentes dos seus nas questões que lhe são essenciais?
E não é natural que o indicado, por melhor que seja, tenha algum sentimento de gratidão por quem lhe deu um cargo tão importante e garantido até a aposentadoria?
O país deveria aproveitar a ocasião para debater e mudar o sistema. Várias propostas já foram feitas. Indicações tripartites (um terço pelo Judiciário, um terço pelo Ministério Público e outro pela OAB), lista tríplice, votação entre os membros do STF etc. Mas o essencial é que a decisão não fique mais nas mãos de uma única pessoa.
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Texto de Rogério Gentile na Folha de São Paulo de 28/09/09

sábado, 26 de setembro de 2009

Abaixo-assinado contra libertação de presos perigosos

Clique no link abaixo e assine contra a libertação de presos perigoos


O assassino de Rita de Cássia Martinez foi liberado para passar o Dia dos Pais em casa.

Ele que já havia violentado outras mulheres teve direito a este indulto por qual motivo?

Quem assinou a liberação deste bandido?


Sociedade civil organizada notifica o Estado da Bahia entra com notíficação ao Estado da Bahia.

Rita de Cássia Martinez foi mais uma vítima do Estado da Bahia.

Representantes da sociedade civil organizada entram na próxima semana com notificação judicial contra o Estado da Bahia visando que presos que não tiverem condições de convívio em sociedade, permaneçam obrigatoriamente sob a tutela do estado , fora do convívio dos demais membros da sociedade , sob pena de gerar séria insegurança jurídica ao todo social .
Lembro aos meus amigos que estou entre as personalidades que assinam a notificação. Vamos evitar que estrupadores, pedófilos e assemelhados voltem as ruas para fazerem novas vítimas.


Sociedade civil organizada entra com notíficação ao Estado da Bahia.

Representantes da sociedade civil organizada entram com notificação judicial contra o Estado da Bahia visando que presos que não tiverem condições de convívio em sociedade, permaneçam obrigatoriamente sob a tutela do estado , fora do convívio dos demais membros da sociedade , sob pena de gerar séria insegurança jurídica ao todo social.

Rita de Cássia Martinez foi mais uma vítima do Estado da Bahia.

O assassino de Rita de Cássia Martinez foi liberado para passar o Dia dos Pais em casa. Ele que já havia violentado outras mulheres teve direito a este indulto por qual motivo? Quem assinou a liberação deste bandido? Não nos interessa se ele se matou.

A pergunta é: quantos monstros iguais a este serão liberados no Dia das crianças? e no Natal? Quantas mulheres serão violentadas e abusadas por monstros como este?

A notificação judicial é contra o Estado da Bahia, com o objetivo de adverti-lo, o Estado de que, segundo a constituição federal de 1988, o ato do Estado, tem que ser revestidos de legalidade e moralidade, e caso sejam, de forma a ferir a moralidade administrativa ou a legalidade, estaremos diante de um ato que pode ser anulado, via ação popular, que segundo a CF/88 - art. 5.o inciso lxxiii e a lei n.o.717/1965, pode qualquer cidadão, ingressar pleiteando a anulação do ato, ou o obrigação de não fazer algo que está errado.

Logo , do exposto é perfeitamente cabível a ação popular constitucional , para forçar o Estado , compelir o mesmo a não soltar presos para o convívio em sociedade ,
posto que , existem dois direitos em conflito , o do preso e de outro lado o da sociedade que como coletividade , neste caso vence , o da coletividade , lógico.

O ato administrativo do estado , que origina-se na administração penitenciária - que é subordinada a Secretaria de Justiça e de Direitos Humanos.



Lei n.o 7.210/1984 ....

art. 6.0 a classificacão dos presos será feita , por uma comissão técnica de classificação que elaborará o programa individualizador da pena privativa de liberdade adequada ao condenado ou preso provisório .

Note que esta adequação proposta pelo legislador , visa , que aqueles presos que não tiverem , condições de convívio em sociedade, terão obrigatoriamente , que ficarem sob a tutela do estado , fora do convívio dos demais membros da sociedade , sob pena de gerar séria insegurança jurídica ao todo social .

Já os arts. 7.o parágrafo único , 8.o e 9.0 falam claramente , que haverá , uma individualização da pena , com observância :

- da comissão técnica , formada por no mínimo dois chefes de serviço , um psiquiatra , um psicólogo , e um assistente social , quando se tratar de preso á pena privativa da liberdade .

- no art. 8.o , nos é dito , que p preso condenado ao cumprimento de pena provativa de liberdade em regime fechado , será submetido a exame a exame criminológico para obter a adequada classificação à individualização.

- no art. 9.o requer entrevista pessoal com os presos.
Isto existe na prática ?

- da leitura do artigo 120 aos 125 da lei de execução penal, podemos perceber claramente que o legislador quer mesmo, é que o preso retorne ao convívio social, em condições
para tal, nunca sem condições de viver na sociedade, jamais, chega a ser crime fazer isso.

Esperamos a sua assinatura consciente. Vamos evitar outras tragédias.

Rede Risco Mulher Brasil

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Honduras: a diplomacia rancorosa da direita

A camarilha civil e militar que assaltou o poder em Honduras apostava que a demora na solução da crise política levaria a comunidade internacional a "esquecer" o problema. E que o processo eleitoral fajuto previsto para novembro "legitimaria" a presença de seu grupo político no poder. Mas o retorno inesperado do presidente Manuel Zelaya ao país jogou por terra os planos da oligarquia, que agora se sente ameaçada e acusa o Brasil de ingerência em assuntos internos pelo fato de Zelaya ter buscado abrigo na embaixada brasileira.No Brasil, os golpistas têm apoio em setores da mídia e da direita que, não podendo fazer o que gostariam - defender abertamente os gorilas sob o risco de também serem tachados de golpistas - tentam qualificar a situação como fruto da política externa dirigida por Celso Amorim.Mas os fatos não combinam com as versões da direita tupiniquim. O mais notório é o isolamento dos golpistas hondurenhos, que não são reconhecidos por ninguém em todo o mundo e enfrentam a exigência unânime pela volta imediata de Zelaya à presidência.Diante desse isolamento, só mesmo os direitistas mais obtusos, saudosistas das ditaduras militares, defendem publicamente o golpe, ruminando um discurso anticomunista caduco, mas preocupante. Nesse sentido, o assessor especial da Presidência da República, Marco Aurélio Garcia, tem razão ao acusar os que se opõe à conduta do Brasil no episódio como simpatizantes dos golpistas.A oposição neoliberal alimenta, contra o governo Lula, um rancor sem fronteiras. Os oposicionistas não se preocupam se a bandeira nacional está sendo conspurcada no afrontoso cerco à nossa embaixada em Tegucigalpa. Não lhes comove o risco de uma guerra civil naquele país, nem se incomodam com as graves violações aos direitos humanos, típicas da direita, praticadas pelo governo golpista.Tentar desgastar o governo Lula é o que importa para nossa direita troglodita. Chega a ser patético ver expoentes do PPS, como Roberto Freire e o deputado Raul Julgmann, ou os senadores tucanos Eduardo Azeredo e Arthur Virgílio, ou ex-diplomatas alinhados com Fernando Henrique Cardoso, atacando a postura do Brasil nesta crise. Parece que o problema não são os golpistas, mas o refúgio do presidente legítimo na embaixada brasileira em Honduras!Os argumentos toscos da direita mal disfarçam a dor de cotovelo de uma elite que vê o governo do operário Lula assumir uma posição geopolítica jamais alcançada pelos governantes anteriores, principalmente sob FHC. Hoje, o Brasil é elogiado, ouvido e respeitado em todos os principais fóruns e organismos internacionais, e sua liderança reconhecida.Sob Lula, a presença internacional do Brasil é muito diferente da época em que o chefe do Itamaraty aceitava tirar os sapatos para poder entrar nos Estados Unidos. É por privilegiar as relações sul-sul, especialmente com os países da América Latina, que o Brasil passou a ser apontado como liderança regional, cooperando com governos de caráter popular e progressista da região e rechaçando as velhas práticas imperiais e colonialistas que tanto mal causaram ao nosso continente.É por reconhecer esta liderança qualificada que Zelaya buscou abrigo em nossa embaixada ao retornar ao seu país. O Brasil não reivindicou essa posição de peça chave no tabuleiro da crise hondurenha. Mas as circunstâncias fizeram com que isso acontecesse. E nossa diplomacia está agindo corretamente ao buscar amplo apoio internacional para ajudar a solucionar a crise no país centro-americano. Com a clareza de que a verdadeira resposta para a situação não depende do Brasil, nem de organismos internacionais, mas da vontade do povo hondurenho, espera-se que este tire proveito deste trágico episódio de sua história para fortalecer sua organização popular e suas instituições democráticas.
Fonte: Portal Vermelho

sábado, 19 de setembro de 2009

Toque de recolher para menores


O "toque de recolher" para menores de 18 anos é uma boa medida de combate à violência?



Menor protegido, menos violência

DALMO DE ABREU DALLARI

TEM SIDO muito frequente o noticiário de violências cometidas por menores ou contra eles em horários noturnos, período que é muito propício à reunião de adolescentes em locais que estimulam o consumo de álcool ou a circulação de drogas.
Daí a necessidade de uma proteção especial, que não seja opressiva e não cerceie os direitos fundamentais do adolescente, mas que lhe dê segurança, evitando que ele seja vítima dos que abusam de sua inexperiência ou, então, de suas ingênuas fantasias de independência ou coragem.
E tem sido frequente que, no noticiário de violências envolvendo menores, venha a informação de que os pais e as mães ficaram surpresos quando receberam a notícia de que seus filhos ou filhas estavam sujeitos a esse tipo de envolvimento.
Por uma série de razões, muitas vezes a proteção da família é insuficiente, mesmo que o menor viva em um ambiente familiar saudável, pois existe sempre a possibilidade de outras influências, sobretudo quando o menor começa a ter vida independente.
Foi pelo reconhecimento desses riscos e dessa insuficiência que se incluiu na atual Constituição brasileira, no artigo 227, um dispositivo segundo o qual é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente seus direitos fundamentais, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Assim, pois, é dever do Estado adotar as medidas necessárias para que os menores não sejam expostos a situações em que existe o risco de que venham a ser vítimas de alguma espécie de violência.
Para o cumprimento dessa obrigação constitucional, o Estatuto da Criança e do Adolescente, lei federal nº 8.069, de 1990, estabeleceu regras pormenorizadas sobre a garantia dos direitos da criança e do adolescente, incluindo a adoção de iniciativas visando possibilitar o efetivo gozo dos direitos, mas prevendo expressamente que tal gozo fique sujeito a condicionamentos legalmente impostos, admissíveis nos casos em que a experiência mostre que são recomendáveis ou mesmo necessários para que seja evitada a exposição dos menores a abusos e violências.
Com efeito, no capítulo segundo do ECA, que trata "Do direito à liberdade, ao respeito e à dignidade", encontra-se, no artigo 16, uma referência expressa ao direito à liberdade de locomoção, nos seguintes termos: "O direito à liberdade compreende os seguintes aspectos: I- ir, vir e estar nos logradouros públicos e espaços comunitários, ressalvadas as restrições legais".
Reafirma-se aí o direito à liberdade de locomoção, mas, tendo em vista a especial necessidade de proteção dos menores, existe a previsão de limitações legais.
Foi com fundamento nessas disposições constitucionais e legais que juízes da infância e juventude, em colaboração com os conselhos tutelares, tomaram a iniciativa de fixar condições para a circulação noturna de crianças e adolescentes.
As regras fixadas não impedem o exercício do direito de locomoção no período noturno, mas estabelecem condições razoáveis, tendo em conta o risco de violências a que ficam sujeitos os menores nesse período, como a experiência comprova amplamente.
Com tais medidas, continua garantido o direito à liberdade de locomoção e, ao mesmo tempo, os menores ficam a salvo de situações de violência, o que, por decorrência, contribui para reduzir a violência na sociedade.
Por tudo isso, a adoção de medidas especiais de proteção dos menores no período noturno, que a imprensa vem identificando, com evidente impropriedade, como "toque de recolher", tem claro fundamento na Constituição e na lei e, sem nenhuma dúvida, é uma contribuição valiosa para evitar que os menores sejam utilizados para a prática de violências contra eles próprios e contra toda a sociedade.


DALMO DE ABREU DALLARI , 77, é professor emérito da Faculdade de Direito da USP. Foi secretário de Negócios Jurídicos do município de São Paulo (gestão Erundina).
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Da Folha de São Paulo de 19/09/09

País melhora, mas não vence o analfabetismo


O Brasil teve vigoroso crescimento nos 12 meses anteriores à crise econômica mundial, mas não conseguiu reduzir o analfabetismo. O resultado está na Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), do IBGE. Por ter setembro como referência, a pesquisa não captou os efeitos do estouro da crise global. A taxa de analfabetismo recuou só 0,1 ponto percentual entre 2007 e 2008. Ocorreu inclusive um pequeno aumento no número absoluto de analfabetos adultos, de 14,136 milhões para 14,247 milhões.

Da Folha de São Paulo de 19/09/09

domingo, 13 de setembro de 2009

Superação de um mito via educação

Superação de um mito via educação

VINCENT DEFOURNY


Último país a abolir a escravidão negra, o Brasil demorou mais de um século para começar a questionar o mito de democracia racial


ÚLTIMO PAÍS a abolir a escravidão negra, em 1888, e com a segunda maior população negra mundial, menor apenas que a da Nigéria, o Brasil demorou mais de um século para começar a questionar o mito de democracia racial, principal combustível do racismo velado e ainda presente na sociedade brasileira.
Só a partir dos anos 1990, fruto de reivindicações dos movimentos sociais, o Estado brasileiro reconheceu a relevância da questão étnico-racial para a superação dos problemas sociais, desenvolvendo uma série de ações e programas que hoje colocam o país em posição destacada no cenário internacional.
A escolha da política educacional como eixo central nessa nova conjuntura sinaliza uma possível mudança substantiva das relações étnico-raciais na sociedade.
A agenda étnico-racial brasileira teve seu ponto de inflexão na participação do Brasil na 3ª Conferência Mundial contra Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata da Unesco, em Durban, realizada em 2001.
Após a conferência ampliaram-se os espaços de implementação de políticas públicas inovadoras para a eliminação das desvantagens sociais enfrentadas especialmente pelos afrodescendentes, com a criação da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, no MEC, e da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial.
É também a partir de Durban que as universidades brasileiras passam a implementar programas de ações afirmativas, tais como as cotas raciais.
Para a Unesco, o marco histórico dessa nova trajetória foi a promulgação, em 2003, da lei 10.639, que alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e tornou obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana nas escolas de ensino fundamental e médio.
A lei estabelece que o conteúdo programático inclua a história da África e dos africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e a sua importância na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política.
A lei contribui para a construção de um novo pacto social por meio do qual a valorização formal da cultura negra é reconhecida como uma das matrizes da sociedade brasileira.
Não se trata apenas da introdução de conteúdos no currículo escolar, mas de um instrumento para mudar concepções e práticas pedagógicas que estruturem novas relações na escola e na sociedade.
Por isso é importante que a lei saia do papel e vire uma prática. Apesar do esforço de alguns Estados e instituições, a sua aplicação ainda não é uma realidade na rede de ensino do país devido a problemas como a falta de materiais didáticos adequados e a fragilidades na formação docente.
Duas importantes iniciativas, realizadas por meio de cooperação internacional com a Unesco, certamente contribuirão para a efetiva aplicação da lei nas práticas pedagógicas em sala de aula, promovendo um ensino mais coerente com a importância da cultura negra na história brasileira, evitando a imagem racializada e eurocêntrica do continente africano.
A primeira delas é o lançamento, em diferentes regiões brasileiras, do Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino da História e Cultura Afro-Brasileira e Africana.
Em novembro próximo, no marco da comemoração do Dia Nacional da Consciência Negra, serão lançados dois volumes da versão em língua portuguesa da Coleção História Geral da África, publicada pela Unesco após um trabalho desenvolvido durante 30 anos com a contribuição de 350 especialistas e 39 intelectuais, sendo dois terços africanos. Trata-se do primeiro estudo contado a partir da visão de pesquisadores nativos.
Espera-se que a coleção contribua para o desenvolvimento da educação mais focada na diversidade cultural como um valor, contribuindo assim para a ressignificação da contribuição africana na nossa história.
As mudanças no currículo escolar são ações de grande relevância, mas sabemos que só será possível atingir a utopia da democracia racial e da igualdade social, tão almejada pelo Brasil, se pudermos construir uma história comum e firmar as bases de um diálogo intercultural genuíno, capaz de transmitir uma mensagem universal de respeito às diferenças, como bem lembrou o diretor-geral da Unesco, Koïchiro Matsuura, em mensagem por ocasião do Dia Internacional de Lembrança do Tráfico de Escravos e sua Abolição, comemorado em 23 de agosto.


VINCENT DEFOURNY, 49, doutor em comunicação pela Universidade Católica de Louvain, Bélgica, é representante da Unesco no Brasil (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura)

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Meninas só valem uma pedra, prostituição por um real


PROSTITUIÇÃO POR UM REAL (7/9/2009)

Meninas só valem uma pedra


Galeria

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Garotas fazem ponto na Avenida Juscelino Kubitschek, no bairro Castelão, durante os dias e as noites. A maioria vende o corpo bem barato para comprar pedras de crack (Foto: Alex Costa)

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Drama comum: costureira faz programas desde os 17 anos para sustentar o vício, já perdeu as contas de quantos por dia

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Para sustentar o vício, jovens se prostituem por tão pouco que fazem vários programas para conseguir uma pedra

Apenas R$ 1,00. Por uma simples moeda, menores de idade estão vendendo o corpo em alguns locais de Fortaleza. O valor irrisório, por si só, seria suficiente para estarrecer, mas o motivo dessa prostituição "a preço de banana" torna o quadro ainda mais degradante: meninos e meninas usam esse dinheiro para comprar pedras de crack. O vício incontrolável anestesia o corpo para aguentar inúmeros programas ao longo da noite ou do dia. Ao mesmo tempo, condena o futuro de adolescentes e jovens que deveria ser construído na escola.

A informação de que menores de idade se prostituem por até R$ 1,00 é de uma das coordenadoras pedagógicas da Associação Barraca da Amizade, Iara Lima. Os educadores da entidade participam de abordagens de rua do Projeto Ponte de Encontro, da Secretaria de Direitos Humanos de Fortaleza (SDH).

Em três bairros diferentes de Fortaleza, a reportagem do Diário do Nordeste encontrou garotas que se prostituem para comprar crack. Em um deles, na zona sul da Cidade, Samantha (nome fictício*), de 15 anos, mostra os seios assim que vê o carro da equipe de reportagem. Em plena tarde de um dia de semana, ela aparenta estar completamente drogada e pede esmola. Apesar do corpo extremamente magro indicar o uso da "pedra", a garota nega querer o dinheiro para se drogar. A colega Fabíola (*), 25, porém, confirma: "Todas aqui se prostituem para comprar crack".

A fissura pela droga é tão grande que as próprias garotas se oferecem para os clientes. Em um bairro vizinho, Ronald (*), porteiro, 36, conta que uma garota tentou seduzi-lo por R$ 2,00. O valor incluiria "tudo", ou seja, todas as modalidades de sexo possíveis. "Ela aparentava ter de 14 a 16 anos, no máximo", conta, afirmando que a adolescente parecia estar "lombrada"(drogada).

Inicialmente, a garota pediu-lhe carona. No meio do caminho, perguntou se ele queria fazer um programa com ela por R$ 5,00. Diante da negativa, o valor foi baixando até chegar aos R$ 2,00. Sem aceitar o convite, o porteiro a deixou próximo de onde ela disse morar, mas acredita que a moça foi direto para uma "bocada" comprar mais "pedras".

Trabalhadores do mesmo bairro contaram informalmente à reportagem que cerca de oito garotas - maiores e menores de idade - passam dia e noite fazendo programa. "Elas fazem toda hora. Saem do programa e vão fumar pedra", afirmam.

O local para a prática do sexo depende da condição do cliente. Pode ser no motel, no carro ou mesmo em terrenos escuros e abandonados, sem a menor condição de higiene. Algumas chegam a roubar os clientes, segundo afirmam os trabalhadores.

Além dos perigos inerentes à prostituição, as garotas têm de conviver com ameaças dos traficantes. Rosa(*), 19, diz que pode conseguir crack para usar no programa e aceita, inclusive, que o pagamento seja feito com duas "pedras". Ao desconfiar estar falando com um policial, clama, aflita: "Não me bota em enrascada não, porque se o traficante descobrir que eu tô pegando droga pra policial, ele não vai me bater não, ele vai me matar".

Camila (*), 20, diz que se prostitui desde os 15 anos. Consegue a "pedra" por R$ 5,00 e o mesclado, por R$ 7,00. Ao ser indagada sobre para que usa o dinheiro obtido com os programas, responde: "Pra tudo. Pra beber, pra cheirar, pra curtir o mesclado". Em outro bairro, agora na zona norte, Marcelle (*), de 19 anos, diz que consegue tanto o mesclado quanto a pedra "pura" por R$ 5,00.

Engana-se quem pensa que a prostituição associada ao crack está restrita às classes sociais mais baixas. A cabeleireira Lina (*), 40, diz já ter presenciado "uma menina linda", aparentemente de classe média, aceitar transar com um traficante por não ter mais dinheiro.

Pesquisa

Em dezembro de 2008, a Coordenadoria da Criança e do Adolescente (Funci) lançou o livro "Os Sete Sentimentos Capitais", pesquisa com 328 meninos e meninas envolvidos em redes de exploração sexual em Fortaleza. Todos tinham até 18 anos, sendo 224 mulheres e 124 homens. A droga foi o quarta motivo mais citado para a prostituição (3,3%), depois de dinheiro (58%), diversão (12%) e aventura (10%), e empatando com a resposta "prazer". As abordagens ocorreram na Barra do Ceará, Praia de Iracema, Beira Mar, Praia do Futuro, Centro, Castelão, Av. Expedicionários, Av. Osório de Paiva, BR-116 e terminais de ônibus.

ARREPENDIMENTO
Desde os 17 anos: "Não consigo parar"

A costureira Fabíola (nome fictício), 25, vira o rosto, baixa a cabeça, coloca a mão por baixo da blusa e puxa a roupa, como se quisesse manter o controle de alguma coisa. Não consegue. Basta ser perguntada sobre porquê está "nessa vida" que ela começa a chorar. Para manter o vício pelo crack, ela se prostitui desde os 17 anos.

"Não consigo parar", assume. As lágrimas descem com mais intensidade quando fala sobre os filhos. "Tenho dois. Minha filha foi tomada pelo meu marido, porque ele descobriu...", diz, referindo-se ao crack. "Meu filho, levei para morar com a minha mãe", continua. Vê os filhos poucas vezes. Passa o dia fazendo programas na zona norte da Cidade. Por até R$ 10,00. Dia e noite.

- Quantos programas você faz por dia?

- "Eu sei lá".

- Perde a conta?

(Sinaliza afirmativamente).

A costureira diz que provou o crack por conta da namorado, que a ofereceu um mesclado. Em seguida, passou para a "pedra" e, daí, perdeu o controle. "Entrei nessa para não roubar. Nunca roubei", garante. Enquanto algumas garotas passam a noite alternando "pauladas" na droga e programas, Fabíola diz que prefere juntar o dinheiro até o montante que deseja. Daí, compra várias pedras de crack para fumar. E, talvez, derramar mais lágrimas.

RISCO MAIOR
Droga passou a ser fonte de DSTs

Quando surgiu em São Paulo, o crack era uma droga predominantemente usada por homens. Nos anos 90, as mulheres passaram a usá-la e encontraram, na prostituição, a saída para manter o vício. Assim, a droga tornou-se fonte de Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST´s).

Segundo a pesquisadora do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid), Solange Nappo, isso acontece porque, geralmente, as mulheres que se prostituem para comprar crack não exigem que o cliente use preservativo.

Esse quadro também preocupa em Fortaleza. Entre os 36 adolescentes (de 13 a 17 anos) usuários de crack atendidos no Projeto Ponte de Encontro em julho passado, houve 21 casos de DST´s. Os dados são da SDH.

Segundo a coordenadora do projeto, Patrícia Queiroz, quando há diagnóstico de adolescentes com DST´s ou outras doenças, eles são encaminhados para tratamento nos postos de saúde. Além dessa ação, o projeto faz abordagens de rua com os menores em situação de exploração sexual de forma a tentar "reconstruir a visão de rua" deles, trabalhando a autoestima.

Conforme Iara Lima, da Associação Barraca da Amizade, que também participa das abordagens, o primeiro passo é identificar a história de vida de cada um e, em seguida, convencê-los a sair da rua, que pode ser para a família ou para um abrigo.

Outras doenças

Além das DSTs, o uso do crack provoca outras doenças. Nos dados de julho do Ponte de Encontro, há 48 atendimentos por problemas respiratórios, 41 por doenças de pele, 25 por perda de peso e 14 por tuberculose. Todas essas doenças, além da hepatite, são características dos usuários de crack.

PESQUISA
Mulher tem mais dificuldade de parar

A professora do Departamento de Psicobiologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Solange Nappo, foi a pesquisadora principal do livro "Comportamento de Risco de Mulheres Usuárias de Crack em Relação às DST/Aids", lançado pelo Cebrid em 2004. Segundo ela, é mais difícil para as mulheres largar o crack.

Na pesquisa feita pela professora em São Paulo, de 80 mulheres entrevistadas, apenas duas buscaram tratamento. "É mais difícil porque ela é mulher, porque transgrediu, está usando a pior droga da lista e se prostitui. Ela tem poucas chances de se inserir na sociedade porque tem todos os estigmas que uma mulher pode ter. Por isso, ela não busca tratamento", explica.

No aspecto hormonal, Solange Nappo explica que a mulher tem propensão a ser mais compulsiva que o homem se usar o crack na fase do ciclo menstrual em que há maior quantidade de estrógenos, pois o hormônio estimula o sistema nervoso central, assim como a droga.

Quanto à contaminação por DSTs, a pesquisadora explica que a maioria das mulheres que se prostitui pelo crack não usa preservativo, ao contrário da profissional do sexo. O principal motivo para isso, além da desinformação que ainda existe sobre os riscos do sexo, está no fato de que a compulsão é tão grande, que proteger o corpo fica em segundo plano.

Pelo sexo inseguro e sem condições adequadas de higiene depois dos programas, a "prostituta do crack" pode acumular sêmen contaminado e transmitir doenças para outros parceiros. Conforme Nappo, a maioria das mulheres entra no crack porque o parceiro é usuário e é iniciada na prostituição pelo traficante, que a considera melhor pagadora que o homem.

REPÓRTER ÍCARO JOHATAN no Diario do Nordeste de 07
http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=668827

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Tomei conhecimento desta matéria no blog do Luis Nassif através de comentário do Ubaldo, o Paranóico, que trascrevo a seguir.

11/09/2009 - 16:11

Depois do italiano, a volta à normalidade

Por Ubaldo, o Paranóico

Caro Nassif,

Veja a que nível chega a histeria hipócrita de nossa sociedade. Enquanto o tal italiano vai preso (acusado de estupro!) pelo fato de dar um “selinho” na filha, à luz das Praias do Ceará, essas outras meninas ficaram restritas a uma página de jornal, sem a mínima repercussão, e sem nehum “moralista” para mandar prender algum político…

http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=668827

O link está com data de 11.09. mas a data certa é 7.09 (dia da Independência!).

Observe, no final do artigo (logo abaixo do nome do jornalista, encimando o quadro “comente essa matéria), há um anúncio (à esquerda do quadro) com os seguintes dizeres: “Ache a mulher ideal – Milhares de perfil (sic) de mulheres para todas as idades”. É de doer, não é não?

Comentário

Como é anúncio Google, é possível que já não esteja quando acessarem a página.

Fonte do comentário do Ubaldo http://colunistas.ig.com.br/luisnassif/2009/09/11/depois-do-italiano-a-volta-a-normalidade/

domingo, 6 de setembro de 2009

Pátria amada, mãe gentil?

Frequentemente nosso presidente manifesta sua revolta diante da tragédia social que nos assola. Pode ser um começo. Mas é pouco

A MINHA infância, povoada por soldadinhos de chumbo e outras fantasias, continha momentos inebriantes. Era quando os soldados, evoluindo nas paradas do Sete de Setembro, desviavam o seu olhar e miravam, respeitosamente, os senhores da nação. Hoje não quero mais assistir aos desfiles. Com medo de não encontrar os mesmos olhares, de não vislumbrar a mesma nação.

Exagero meu ou aflições verdadeiras, produzidas por uma realidade desconcertante? Ouço que o Brasil tornou-se uma nação soberana, que nunca antes neste país materializaram-se tantas aspirações do seu povo, que as potências estrangeiras dobram-se à grandeza da nacionalidade.
Nos jornais encontro números tão expressivos quanto misteriosos. O PIB brasileiro em 2008 foi de US$ 1,94 trilhão, o nono na escala planetária. O Brasil tornou-se credor do FMI. As exportações brasileiras atingiram, em 2008, o valor de US$ 197,94 bilhões. O índice Bovespa registra em 2009 valorização que supera 50%.
Diante dessas notícias, por que tanto desconsolo da minha parte? Talvez por ser médico e por compreender que a saúde de uma nação tem de ser pautada não apenas pelo seu PIB, mas, principalmente, pelo respeito à condição humana e pela luta sem tréguas contra a desigualdade social.
Como ser feliz se estamos no 70º lugar no Índice de Desenvolvimento Humano, conceito mais justo que incorpora o dogma da existência usufruída com dignidade? Como permanecer calado quando descubro que cerca de 22%, ou 40 milhões de brasileiros, vivem abaixo da linha de pobreza, incapazes de sequer obter alimentos para subsistir?
Como ficar indiferente quando leio que mais de 25% dos membros da nação são analfabetos ou não conseguem compreender o que estão lendo? Desconforto que fica quase insuportável quando descubro que Cuba, Venezuela, Chile, Equador e Bolívia declararam-se recentemente territórios livres do analfabetismo. Como não ficar indignado quando estatísticas da ONU mostram que, para cada 1.000 crianças pobres que nascem no Brasil, 83 morrem antes de completar seu primeiro ano de vida, um número que contrasta com 5 mortes no Canadá, 8 no Chile e 15 na Argentina?
Mesmo ciente das minhas limitações, desconfio que a desgraça que nos assola resulte de uma coreografia insana que mistura uma histórica desigualdade social, governos descomprometidos com a condição humana e ações nefastas de um sem-número de oportunistas que tomaram de assalto, espraiaram-se e passaram a consumir o Estado.
Dados que ilustram a injustiça são abundantes. No Brasil, ainda de acordo com a ONU, 1% dos cidadãos mais ricos têm a mesma renda que a soma dos 50% mais pobres. Estes que perambulam pelas ruas da nação, oprimidos pela fome, pelas pragas e pela violência, incapazes de esboçar reação e controlar seus destinos. Subjugados por um sistema dirigente insensível, que foi capaz de pagar, em 2008, R$ 120 bilhões de juros da dívida nacional e destinar apenas R$ 48 bilhões e R$ 29 bilhões, respectivamente, para financiar toda a saúde e toda a educação superior do povo brasileiro. Governantes incapazes de compreender que sem saúde e sem educação não existem seres livres.
Frequentemente nosso presidente manifesta sua revolta diante da tragédia social que nos assola. Talvez seja um começo. Mas é pouco, sr. presidente. Pouco para alguém que, em período recente menos glorioso da história, conviveu com a injustiça e com autoridades que não eram coisa boa. Agora que o senhor é autoridade e a sociedade brasileira continua açodada por outras formas de truculência, imagine se a tua complacência for mal interpretada, confundida com aquiescência.
Como lembrava o arcebispo Desmond Tutu, incansável na luta pelos direitos civis: "Se ficarmos neutros numa situação de injustiça, teremos escolhido o lado do opressor". Presidente, principalmente você, que tem história para ser o exemplo, pode atender ao grito ensurdecedor de tantos filhos da nação.
Assumindo o combate sem limites ao grupo de predadores assentados no poder. Exigindo que a Justiça faça das leis instrumentos verdadeiros de defesa dos direitos, e não objetos de proteção aos ímprobos e poderosos.
E, tomado por compaixão, adotando ações genuínas para reduzir os efeitos da desigualdade e para resgatar a condição humana desses brasileiros. Só assim, perfilado no dia da pátria, você conseguirá, marejado, declamar com a multidão: "Dos filhos deste solo és mãe gentil, pátria amada, Brasil".

Texto de MIGUEL SROUGI , 62, médico, pós-graduado em urologia pela Havard Medical School (EUA), é professor titular de urologia da Faculdade de Medicina da USP e presidente do Conselho do Instituto Criança é Vida.

sábado, 5 de setembro de 2009

Falta de compromisso social

Falta de compromisso social

















As fotos são de Aristeu Bertelli, para ver mais fotos acese o sítio,

http://picasaweb.google.com/coordenacaopj/DesocupacaoCapaoRedondo#

Devido às viagens, deixei de ler os jornais. Só agora localizei essa matéria da Laura Capriglione, sobre as famílias desalojadas pela PM em Capão Redondo.

É uma matéria significativa e um episódio que coloca à prova as políticas sociais do estado e do município de São Paulo.

As famílias foram desalojadas de um terreno ocupado, de propriedade de uma companhia de viação. A companhia deve muito imposto. Tivessem cabeça menos burocrática, foco no social, ou pelo menos no drama de 370 famílias, o governo do estado e a prefeitura articulariam um acordo com a companhia (conforme sugerido por um comentarista na época), acertariam um projeto rápido no “Minha Casa, Meu Sonho”, ou na Cohab, colocariam a rede assistencial para abrigar os desassistidos até o problema ser resolvido.

Se não por sensibilidade, até por esperteza mobilizariam todas as forças possíveis para mostrar-se solidário aos desassistidos. Mas não adianta.

Certa vez, na campanha eleitoral de 2006, viajei com o candidato Geraldo Alckmin. Embora não seja um modelo de eficiência, soltou uma frase a respeito das diferenças entre ele e Covas e a chamada área intelectualizada do PSDB - FHC-Serra. “Covas me dizia sempre: toda semana, saia à rua, visite as regiões pobres, não perca a sensibilidade de povo”. O social de alguns políticos se encerra na Sala São Paulo

Texto de Luis Nassif

Da Folha

Favela se muda para calçada e a vida piora ainda mais

370 famílias montaram barracos perto de área da qual foram despejados no Capão Redondo

Moradores vivem sem água ou luz, defecam e urinam em embalagens de sorvete e têm de se revezar nos barracos para dormir

Reportagem de LAURA CAPRIGLIONE

Luiz Gustavo da Silva Santos, cinco meses, Andressa Conceição, seis meses, Daniela, quatro anos, Jonas, quatro anos, Cauane, três anos, Margarida Souza Ferreira, 36, Cícera da Silva Santos, 33, e Sandra Maria da Conceição, 28, moram desde o dia 24 em um barraco de 4 metros quadrados. Sem água, sem luz, sem banheiro, sem cozinha, dependem da sopa fornecida pela igreja. Defecam e urinam em embalagens de dois litros de sorvete. A descarga é no terreno em frente.

O banho é de favor, com vizinhos mais ricos. Na verdade, são apenas moradores de barracos “normais”, que ficam na favela “normal”, logo ali. Porque o barraco das mulheres e crianças citadas no início não é desse tipo. Foi erguido com outros 200 ao longo de 630 metros de uma calçada, no que já foi apelidado de “favela-tripa”, que abriga cerca de 370 famílias.

Explica-se: no dia 24, o terreno de 34 mil metros quadrados no meio do bairro do Capão Redondo (zona sul), e onde moravam cerca de 800 famílias, foi desocupado pela PM, em cumprimento a uma ordem de reintegração de posse. Ontem, o local, que pertence à Viação Campo Limpo, estava recoberto pelos escombros dos barracos que o preenchiam -pedaços de fogão, boneca queimada, colchão, cadernos chamuscados, garrafas usadas podiam ser vistos entre toneladas de entulhos iluminadas aqui e ali por fogueiras altas. Nenhuma alma.

Do outro lado da rua, bem em frente à destruição, em uma faixa de calçada de 2,5 metros, esticou-se o que sobrou de vida na favela. Um barraco colado ao outro, restos como paredes.

Versinho para Olga

A vida da favela teve de entrar na linha -do meio fio-, mas continua. “Vai acontecer milagre. Milagre. Vai acontecer milagre”, repete, às 23h, o sistema de caixas amplificadas da Igreja Pentecostal Águas Vivas. É o pastor Raimundo Medeiros do Nascimento, 45, quem, cercado de obreiras (quatro, superpovoando o seu barraco), anuncia a boa nova. Ele conseguiu salvar a Bíblia, o púlpito que ele mesmo construiu e as caixas amplificadas, além de um pano de cetim vermelho, que decora a igreja de papelão.

Do lado de fora, cerca de cem homens e mulheres perambulam de um lado para outro. São os que terão de passar a noite em claro. Eles só poderão dormir pela manhã, quando acordarem as crianças e os que terão de sair para trabalhar. É que não há lugar para todos nas moradias improvisadas.

Mas aqueles pedreiros, faxineiras, cozinheiros, diaristas, auxiliares de serviços gerais, babás etc não choram ou reclamam. Por volta das 20h, cerca de 300 deles -mais filhos e cachorros- reuniram-se defronte a um barraco decorado com a bandeira vermelha de uma tal Frente de Luta pela Moradia, FLM, um dos vários grupos que organizam a população pobre da periferia de São Paulo para a obtenção de moradia. A negra Felícia Mendes Dias, 50, é a principal liderança.

A Secretaria da Habitação da gestão Gilberto Kassab (DEM) respeita Felícia. “É uma mulher devotada à luta pela moradia”, diz um funcionário do governo. Por influência de Felícia, o grupo de despejados na favela-tripa adotou um novo nome: Nova Associação Olga Benário.

Após combinarem como agirão no dia seguinte, quando assistentes da prefeitura viriam conhecer as famílias que deverão receber alguma ajuda, o grupo -punhos erguidos- recitou forte o versinho: “Olga Benário / Lutou contra o nazismo / Construindo o socialismo”.
O filme “Olga”, do diretor Jayme Monjardim, já passou algumas vezes naquele miolo do Capão Redondo, uma das áreas com pior IDH da cidade.

Gripe sulina?

Com voz mansa, Maria Helena Ferreira, 65, vice-presidente da Olga Benário, é quem organiza o cadastro do pessoal que reivindica ajuda da prefeitura. Incansável, a mulher acordou às 4h para ir ao hospital cardiológico Dante Pazzaneze, na Vila Mariana -ela sofreu um infarto há dois anos-, e às 23h ainda corria de barraco em barraco, conversando, tranquilizando, aconselhando. Aproveitou para comer um pouco da sopa que as paróquias do bairro mandaram para a favela-tripa.

A pequena Meyssa Beatriz Pereira da Silva, um mês e quatro dias de vida, espirra fraquinho. Está gripada. Pergunta-se à mãe, Marisa Silva Santos, 21, se não tem medo da gripe suína. Cabelos curtos, olhar inteligente, ela responde: “Gripe sulina?” Meyssa já foi atendida no posto de saúde do Parque do Engenho, ali perto. Liberada.

“Graças a Deus. A gente só tem de agradecer”, diz a doméstica Marinalva Francisca de Jesus Santos, 40. A gratidão é porque não está chovendo em São Paulo nos últimos dias.

O marido de Marinalva está preso na cadeia do Belenzinho, acusado de roubo -”ele é inocente”, ela diz. De dentro da cadeia, o homem assistiu pela TV ao incêndio que consumiu a favela. Reconheceu o barraco de sua família ardendo. O homem telefonou para a mulher. Ouviu dela a informação: “Estou na beira da calçada, como todo mundo”. O homem ficou um pouco mais tranquilo, a mulher-bebê no colo - garantiu.

Do blog Luis Nassif Online - http://colunistas.ig.com.br/luisnassif/2009/09/05/falta-de-compromisso-social/

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Constituição e Soberania: o caso brasileiro

Constituição e Soberania: o caso brasileiro

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Para que possamos compreender, ou seja, apreender em sua totalidade, o sentido de Constituição, é indispensável enxergar o nascimento e a evolução do conceito ao longo da História. É mister saber quando, como, onde e por que as instituições a que ele se refere surgiram e se integraram, evolutivamente, na vida dos povos.

Sem esse indispensável trabalho de reflexão histórica, é impossível compreender a vida política de nosso país, nesses vinte anos de vigência da Constituição Federal de 1988.

I. O que é Constituição

Há dois momentos históricos decisivos a considerar: o do esplendor da filosofia grega, entre os séculos V e III a. C. , e o da deflagração das Revoluções americana e francesa ao final do século XVIII.

O sentido de constituição política até a época moderna

Para os pensadores gregos da época clássica, o vocábulo politéia tinha um duplo significado. 1 Ele designava, de um lado, o que poderíamos denominar cidadania, isto é, a participação ativa de alguém na vida da polis e, de outro lado, a organização geral desta sob o ângulo do poder, isto é, os diferentes órgãos políticos.

Nessa última acepção, os pensadores gregos distinguiam duas realidades inter-relacionadas: o direito ou as leis (nomói) e o poder político assumido pelos governantes (arkhói). Uma sociedade em que os homens no poder não obedeciam à lei, mas seguiam unicamente a sua própria vontade, não era considerada politéia, e sim um regime despótico, pois despótes era o chefe de família que dispunha de poder absoluto sobre parentes e escravos.

As principais dessas leis, as mais veneráveis dentre todas, não eram tidas como produto da vontade humana, mas sim herança sagrada dos antepassados. Tratava-se das agraphói nomói, as leis não escritas, às quais se referiu Antígona, ao justificar a sua desobediência às ordens de Creonte. As normas ditadas pelos costumes tradicionais, afirmou Aristóteles, têm mais autoridade e dizem respeito a matérias mais importantes do que as leis escritas. 2 A legitimidade destas últimas, aliás, consistia justamente em sua conformidade com as outras, das quais eram simples especificações.

De qualquer modo, cada pólis tinha uma singularidade de território e de história; ou seja, de valores, costumes e tradições, os quais compunham um todo único e insubstituível. Foi nesse sentido que Isócrates definiu a politéia como a alma da pólis,3 ou seja, o que ela tem de mais íntimo e original.

Montesquieu retomou a mesma idéia, ao falar de espírito das leis. Logo no capítulo 3 do livro I de sua obra máxima, ele esclarece ao leitor que “as leis devem ser relativas ao físico do país; ao clima glacial, tórrido ou temperado; à qualidade do território, à sua situação, ao seu tamanho; ao gênero de vida dos povos, lavradores, caçadores ou pastores; elas devem se relacionar ao grau de liberdade que a constituição pode admitir; à religião dos habitantes, às suas inclinações, às suas riquezas, ao seu número, ao seu tipo de comércio, aos seus costumes, às suas maneiras de vida. Por fim, as leis se relacionam entre si; elas se vinculam à sua origem, ao objetivo do legislador, à ordem das coisas a respeito das quais elas foram estabelecidas. É em função de tudo isso que elas devem ser consideradas”. E conclui: “É o que pretendo fazer nesta obra. Examinarei todas essas relações: elas formam, todas juntas, o que chamo de o espírito das leis”.

Quanto a Rousseau, a sua concepção nesse particular harmoniza-se com a do mundo grego clássico. Embora aceite o postulado de um pacto fundador da sociedade política, tal como Hobbes, Locke e Montesquieu, o pensador genebrino empresta-lhe um sentido original e altamente simbólico: é uma espécie de batismo cívico, cujo efeito consiste em provocar a ressurreição do homem bom, do homem original do estado da natureza, pervertido pela sociedade moderna.

Não se trata, portanto, de criar uma sociedade nova, oposta às boas tradições, mas de recuperá-las. Nesse sentido, tal como os filósofos gregos, Rousseau sustenta que a mais importante de todas as leis é o conjunto dos usos e costumes. Trata-se de uma lei “que não se grava nem em mármore nem em bronze, mas nos corações dos cidadãos; a que faz a verdadeira constituição do Estado; que toma todos os dias novas formas; que, quando as demais leis envelhecem ou se apagam, as reanima ou as supre, conserva um povo no espírito de sua instituição e substitui, insensivelmente, a força do hábito à força da autoridade”. 4

Em suma, a noção de constituição política, desde a Grécia clássica até meados do século XVIII, apresentava três características bem marcadas: 1) seguia as tradições e os grandes valores éticos dos antepassados; 2) exprimia-se, por conseguinte, mais sob a forma de normas costumeiras do que de leis escritas; 3) ajustava-se como uma luva às especificidades físicas e culturais da sociedade assim organizada; isto é, não podia, de forma alguma, ser transplantada para outro meio social.

Modernamente, essa organização tradicional dos poderes políticos subsiste em um reduzido número de países, notadamente no Reino Unido. Bolingbroke, contemporâneo de Montesquieu, definiu a Constituição britânica como “o conglomerado de leis, instituições e costumes, que decorrem de certos princípios imutáveis da razão e tendem a certos elementos imutáveis do bem público, compondo o essencial de um sistema, segundo o qual convencionou-se que a comunidade deve ser governada”. 5

Foi contra essa concepção tradicional que se forjou, no ambiente revolucionário norte-americano e francês de fins do século XVIII, o conceito moderno de Constituição.

O sentido de Constituição nos tempos modernos

Desde a “crise da consciência européia”, na passagem do século XVII ao século XVIII,6 a cultura ocidental voltou as costas ao passado e passou a sustentar o dever geral de se reconstruir a vida social sobre novas bases, rumo a um futuro de progresso material e felicidade.

Essa confiança no porvir alcançou os Estados Unidos na segunda metade do “século das luzes” e preparou o caminho para a independência das 13 colônias britânicas. John Adams, por exemplo, um dos Founding Fathers da nação norte-americana, tinha plena convicção de que o mundo se encontrava no limiar de uma idade de ouro, e que, portanto, abria-se a possibilidade de se construir uma nova sociedade política de alto a baixo. A esse ato solene de fundação, deu ele o nome de Constitution (com maiúscula). 7

O termo não agradou a Thomas Jefferson, que seguia nesse particular a tradição jurídica britânica. A respeito do ato normativo, que os representantes do povo de Virgínia denominaram Constitution, observou ele: “In Jurisprudence, whenever it is applied to any act of the legislature, it invariably means a statute, law, or ordinance, which is the present case. ” Por conseguinte, concluiu, os membros do poder legislativo de Virgínia, ao invés de dizerem “We, the ordinary legislature, establish a constitution”, deveriam ter dito “We, the ordinary legislature, establish an act above the power of ordinary legislature”; o que bem mostraria a incongruência do procedimento. 8

Na verdade, a Common Law, nesta como em muitas outras matérias, restaurou as instituições e a própria terminologia do direito romano. Ulpiano, em conhecida passagem do Digesto (I, 4, 1), reconhece o que chamaríamos hoje a soberania do imperador, ao afirmar sem rebuços que “quod principi placet, legis habet vigorem” (o que apraz ao prínicipe tem vigor de lei). Em conseqüência, prossegue, tudo o que o príncipe estatui por escrito, oralmente como decreto seu, ou por meio de edito “legem esse constat”. E conclui: “elas são o que vulgarmente denominamos constituições” (haec sunt quas vulgo constitutiones appelamus).

De qualquer maneira, ao lembrar que um órgão legislador ordinário só tem competência para editar leis ordinárias, Jefferson pôs o dedo no ponto saliente do debate. Se a Constituição é uma Magna Carta fundadora de nova sociedade, ela só pode ser outorgada por aquele que exerce a soberania ou, pelo menos, deveria exercê-la. Sieyès dirá, alguns anos depois, às vésperas da Revolução Francesa, que a legitimidade de uma Constituição está estreitamente ligada à legitimidade daquele que exerce o poder soberano. “Seria ridículo supor”, escreveu ele, “a nação vinculada, ela própria, pelas formalidades ou pela constituição, às quais acham-se sujeitos os seus mandatários. Se lhe fosse necessário esperar, para tornar-se uma nação, uma maneira de ser positiva, ela jamais teria existido”. 9

Na França, aliás, os revolucionários estavam tão convencidos de que acabavam de inaugurar uma nova era histórica, que não hesitaram em abolir o calendário cristão e substituí-lo por um novo, cujo Ano I iniciou-se em 22 de setembro de 1792, dia seguinte à data da instalação dos trabalhos da Convenção, a Assembléia Constituinte que abriu o regime republicano.

Antes disso, em agosto de 1789, quando a Assembléia Nacional reuniu-se para redigir uma declaração de direitos como espécie de Novo Decálogo, um deputado do Tiers Etat, Duquesnoy, frisou o seu caráter universal:

“Uma declaração deve ser de todos os tempos e de todos os povos; as circunstâncias mudam, mas ela deve ser invariável em meio às revoluções. É preciso distinguir as leis e os direitos: as leis são análogas aos costumes, sofrem o influxo do caráter nacional; os direitos são sempre os mesmos. ”

A reação dos tradicionalistas

Tais idéias suscitaram, desde logo, a reação irada dos tradicionalistas, de um e outro lado do Canal da Mancha.

Edmund Burke não poupou invectivas à Assembléia Nacional Francesa em sua louca pretensão de criar uma nova ordem jurídica, cortando todas as amarras com o passado. “Essa Assembléia, a partir do momento em que destruiu as ordens (les Etats Généraux du Royaume), já não conta com lei fundamental, convenção estrita, ou costume reconhecido algum para restringi-la. Em vez de se reconhecerem obrigados a respeitar uma constituição fixa, eles (os membros da Assembléia) têm o poder de fazer uma constituição conforme aos seus desígnios. Nada, no céu ou na terra, é capaz de controlá-los”. 10

Joseph de Maistre, no mesmo diapasão, repudiou acremente o atentado contra a natureza e o poder divino, perpetrado pelos revolucionários, ao votarem uma Constituição para a França. “Constituição alguma”, escreveu ele, “resulta de um ato de vontade (une délibération); os direitos dos povos não são jamais escritos, ou pelo menos os atos constitutivos ou as leis fundamentais escritas não passam de títulos declaratórios de direitos anteriores, dos quais não se pode dizer outra coisa, senão que eles existem porque existem”.

Profligando o caráter abstrato e universal das declarações de direitos nas Constituições francesas, ironizou: “A Constituição de 1795, tal como as suas irmãs mais velhas, é feita para o homem. Ora, não há homem no mundo. Em minha vida, vi franceses, italianos, russos etc. Sei até, graças a Montesquieu, que se pode ser persa11: mas quanto ao homem, declaro que nunca o encontrei em toda a minha vida; se ele existe, eu o ignoro completamente” (“s’il existe, c’est bien à mon insu”).

Da mesma forma, “uma constituição que é feita para todas as nações, não é feita para nenhuma delas: é uma abstração, uma obra escolástica feita para exercer o espírito segundo uma hipótese ideal, e que é preciso dirigir ao homem, nos espaços imaginários onde ele habita. ”

E retomando o raciocínio de Montesquieu, conclui, peremptoriamente:

“O que é uma constituição? Não é por acaso a solução do problema seguinte?

Considerando-se a população, os costumes, a religião, a situação geográfica, as relações políticas, as riquezas, as boas e as más qualidades de uma determinada nação, encontrar as leis que lhe convêm. ”12

Na verdade, o repúdio à idéia de refundação da sociedade política por um ato criador solene, denominado “Constituição”, continuou a alimentar uma boa parte do pensamento europeu, e encontrou, no início do século XIX, um defensor de peso: Hegel.

Para o grande filósofo, assim como o Estado é um organismo vivo, da mesma forma a sua Constituição não pode ser tida como algo artificial e, portanto, suscetível de ser feita e desfeita à vontade. “A questão: a quem, a que autoridade – e organizada de que modo – compete fazer uma Constituição é a mesma que esta: quem tem de fazer o Espírito de um povo. Se se separa a representação de uma Constituição da do Espírito, como se bem existisse ou tivesse existido sem possuir uma Constituição à sua medida, tal opinião prova somente a superficialidade do pensamento sobre a coerência do Espírito, de sua consciência a respeito de si e de sua efetividade. O que assim se chama fazer uma Constituição, em razão dessa inseparabilidade, nunca se encontrou na história, tampouco como fazer um Código de leis: uma Constituição só se desenvolveu a partir do Espírito, em identidade com o seu próprio desenvolvimento; e, ao mesmo tempo com ele, percorreu os graus necessários e as transformações através do Conceito. 13 É pelo Espírito imanente e pela história – é na verdade pela história e somente pela sua história – que as Constituições são feitas e foram feitas”. 14

A síntese necessária

Após séculos de interpretação unilateral do fenômeno societário e da cultura como criação humana, o pensamento contemporâneo parece encaminhar-se hoje, convergentemente, para uma visão integradora das sociedades e das civilizações.

Prevaleceu, até o século XX, mesmo no campo das ciências sociais, o método cartesiano de decomposição do objeto do pensamento, ou seja, a divisão do todo em partes separadas, com o exame racional de cada uma delas de per si.

O método assim proposto adapta-se perfeitamente à análise de idéias abstratas, ou de realidades estáticas e inanimadas. Mas ele é inadequado à compreensão, isto é, ao ato de apreender conjuntamente (cum prehendere) a vida, em todas as suas modalidades. Os seres vivos e, em especial, os seres humanos, que são o que de mais complexo existe no universo, só podem ser compreendidos, na totalidade integradora do conjunto dos elementos que os compõem, mediante a consideração conjunta de sua dinâmica interna e sua funcionalidade externa. Em outras palavras, para que possamos entender qualquer elemento da biosfera, e em especial o homem e suas criações culturais, é indispensável enxergá-lo holisticamente (holos, na língua grega, é um advérbio que significa em sua totalidade); portanto, não apenas sob o aspecto estrutural, mas também funcional. Em vez de decompor as partes do todo e analisá-las separadamente, é preciso considerar a totalidade em sua organização completa, bem como entender o seu relacionamento com o mundo exterior; vale dizer, desvendar o seu organograma e o seu programa.

Uma vasta corrente de pensamento contemporânea propôs denominar sistema todo objeto que só pode ser apreendido pelo pensamento, conjuntamente, em sua estrutura holística e em sua realidade funcional. Num sistema, o todo é, em certo sentido, superior à soma de suas partes componentes, pois estas mantêm sempre, entre si, um relacionamento dinâmico, de tal sorte que, modificada qualquer das partes, modifica-se inevitavelmente o todo. Mas essa totalidade, assim organicamente estruturada, só cobra sentido quando vista, ela também, como parte de um todo maior, estruturado de modo orgânico, e dentro do qual ela exerce uma função determinada, e assim sucessivamente.

A teoria sistêmica foi concebida originalmente na biologia;15 passou em seguida, com a cibernética (neologismo cunhado por Norbert Wiener do étimo grego kybernetes, piloto),16 para o campo dos organismos animais e dos mecanismos auto-regulados,17 e, finalmente, para o ser humano, em toda a sua complexidade, individual e social.

Infelizmente, o método sistêmico de compreensão do Direito ainda não foi acolhido pela doutrina.

Essa carência teórica é bem sensível no campo do direito público, notadamente no ramo constitucional. O documento normativo denominado Constituição é interpretado como uma peça bastante em si mesma, sem ligação com a realidade política, e capaz de criar, por efeito de sua própria força imanente, um Estado de Direito perfeito e acabado.

Poucos dão-se conta de que, mesmo no país de origem das Constituições modernas – os Estados Unidos –, a Constituição é aquilo que a Corte Suprema reconhece como tal; e ninguém pode ignorar que a orientação política dos magistrados que a compõem varia conforme a sucessão dos momentos históricos, em função da opinião pública dominante. Assim foi em relação ao problema da discriminação contra os negros, antes e depois da guerra civil; em relação ao perigo comunista, nos anos que imediatamente se seguiram à Segunda Guerra Mundial (o mac-carthysmo); assim foi em matéria de liberdades públicas, em seguida aos atentados terroristas de 11 de setembro de 2001.

Logo após a Revolução Francesa, Joseph de Maistre dizia que a França achava-se dividida em dois países, o legal e o real, sem comunicação um com o outro.

Sem aceitar o evidente exagero dessa análise dicotômica, podemos e devemos reconhecer que em vários países convivem, numa relação dialética de influência recíproca, uma Constituição formal e uma Constituição informal. Nenhuma consegue anular a outra, mas há sempre uma delas que predomina. 18 Os juristas só enxergam a Constituição formal, enquanto os cientistas políticos têm olhos, tão-só, para a Constituição informal.

A Constituição formal volta-se para o futuro e pretende, em geral, inaugurar uma nova ordem política. Ao lado dela, porém, há sempre uma organização efetiva de poderes não oficiais, de costumes e tradições,19 os quais evoluem sob o influxo da mentalidade social, isto é, do conjunto de valores éticos, das opiniões e da visão de mundo prevalecentes.

Essa organização política não oficial representa, comumente, um freio à aplicação completa e efetiva da Constituição formal, 20 mas tende a ser modificada por esta, se houver estabilidade política durante um tempo razoavelmente longo.

Pode também suceder – e é o caso do Reino Unido – que um país apresente, pelo menos em aparência, tão-só uma espécie de Constituição, formada de velhos costumes políticos, consagrados por longeva tradição. Mas essa aparência é enganosa. Há sempre um movimento de transformação voltado para o futuro e tendente a alterar esta ou aquela tradição. No Reino Unido, aliás, já é bem clara atualmente uma duplicidade constitucional, com a progressiva incorporação, no ordenamento jurídico do país, das normas emanadas das instâncias superiores da União Européia, todas elas na linha da Civil Law. .

Na verdade, as chances de longeva vigência de uma Constituição formal dependem de um elevado grau de correspondência do seu texto com a organização real da sociedade, os valores e as visões do mundo que nela estão em vigor. 21 A Constituição norte-americana pôde, assim, vigorar durante mais de dois séculos, porque correspondeu perfeitamente, quando de sua promulgação, ao caráter burguês predominante no meio social das treze colônias britânicas em fins do século XVIII. Mas o seu ponto principal de conflito com a organização real de poderes na sociedade – a afirmação das liberdades individuais contra a manutenção do instituto da escravidão – acabou por provocar a mais sangrenta guerra civil do século XIX, e ameaçou seriamente cindir o país em dois. Em sentido contrário, a Revolução Francesa não logrou transformar rapidamente o caráter estamental da sociedade e o seu apego atávico aos costumes feudais. Em pouco mais de meio século, de 1791 a 1848, o país teve nove Constituições, e oscilou várias vezes entre a monarquia e a república.

II. Constituição e Soberania no Brasil

A permanente duplicidade constitucional

O problema central da organização do Estado brasileiro, segundo me parece, é que a síntese entre a Constituição formal e a informal jamais chegou a realizar-se de modo harmônico. Desde sempre, as Cartas Políticas têm desempenhado, entre nós, a função de encobrir, solenemente, a realidade efetiva do poder social.

O que agrava ainda mais esse quadro anômalo é que a duplicidade de ordenamentos constitucionais é raramente sentida e menos ainda denunciada.

Dois fatores explicam, a meu ver, esse resultado.

O primeiro deles é o traço marcadamente bovarista do caráter nacional. À semelhança da trágica personagem de Flaubert, procuramos fugir da realidade canhestra e atrasada em que estamos metidos, e que nos envergonha, de modo a sublimar na imaginação, para o país todo e cada um de nós em particular, uma identidade e condições ideais de vida, que fingimos possuir, mas que nos são de fato completamente estranhas. Ao longo de nossa história política, raríssimos têm sido os homens públicos, os movimentos ou as agremiações partidárias que ousam dizer-se de direita. Para nós, tal equivale a apresentar-se de modo abrutado e insolente numa recepção de alto nível. Se a moda em países civilizados é ser liberal, progressista ou democrata, não podemos deixar de copiar esse modelo.

O outro fator explicativo dessa situação quase esquizofrênica de nossa vida política é a tendência incoercível à ambigüidade. As palavras têm sempre, entre nós, um duplo sentido. Na linguagem política, todos sabem que os vocábulos empregados não devem ser interpretados em seu significado aparente e dicionarizado, mas indicam, costumeiramente, uma acepção encoberta. Qualquer pessoa minimamente arguta percebe, de imediato, quando está diante de senhas de linguagem. “Faremos o possível para evitar a crise” quer dizer “já estamos nela afundados”. “O partido decidiu emprestar sua colaboração ao governo empenhado no desenvolvimento nacional” indica que ambas as partes concluíram o contrato sinalagmático: o partido recebeu vantagens apreciáveis do chefe do Poder Executivo, patrimoniais ou funcionais, e deu em troca a garantia de sempre votar com o governo.

Eis porque logramos a proeza de haver construído, desde a Independência, debaixo dos imprescindíveis ornamentos constitucionais, um liberalismo de senzala, uma república privatista e uma democracia sem povo.

Soberania de quem?

Aristóteles afirmou que as diferentes espécies de politéia distinguem-se, umas das outras, pelo titular do poder supremo (kyrion). Assim, uma polis é considerada democrática, quando o poder supremo pertence ao povo; oligárquica, quando, ao invés do demos, ou seja, da totalidade dos cidadãos, são apenas uns poucos (oligói) que comandam em última instância. 22

Se nos servirmos desse critério para caracterizar a Constituição Federal de 1988, teremos muita dificuldade de chegar a uma conclusão que Espelhe a realidade. Se não, vejamos.

Repetimos, sem cessar, a declaração de princípio de que “todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente”, nos termos da Constituição (art. 1º, parágrafo único).

Tomemos, porém, a primeira forma e mais usual de exercício da soberania popular nos tempos modernos: a representativa. O representante, mesmo em direito público, age por conta do representado; vale dizer, os poderes que o representante exerce não lhe pertencem, mas lhe foram delegados pelo povo, a quem ele deve prestar contas do exercício do mandato.

Pergunta-se: A aprovação da Constituição, ou de suas alterações, faz parte ou não do poder soberano?

É óbvio que sim, pois alguém que não tivesse competência para aprovar ou modificar o ordenamento supremo do Estado não poderia se apresentar como soberano. Ele teria que se curvar, necessariamente, à supremacia de outrem.

Os autores modernos e contemporâneos, aqui e alhures, salvo raríssimas exceções, passam como gatos sobre brasas ao tratar do poder constituinte. A explicação mais cômoda e generalizada é a de que o órgão legislativo ordinário exerce um poder constituinte derivado, ficando o poder constituinte original sempre com o povo.

Sucede, porém, que se o representante não recebe poderes especiais do soberano, ele não pode tocar na Constituição. “Em qualquer de suas partes”, acentuou Sieyès, “a constituição não é obra do poder constituído, mas do poder constituinte. Nenhuma espécie de poder delegado pode mudar as condições de sua delegação”. 23

Ora, nenhuma das nossas Constituições foi referendada pelo povo, como condição para entrar em vigor legitimamente. Mais: em todas as Constituições republicanas, determinou-se que as emendas seriam aprovadas tão somente pelo Congresso Nacional – com um procedimento mais exigente, é verdade, que o da aprovação de projetos de lei, mas nunca com referendo popular. A atual Constituição já foi emendada sessenta e duas vezes em vinte anos de vigência; o que perfaz a apreciável média de mais de três emendas por ano. Em nenhuma dessas ocasiões, o povo brasileiro foi convocado para dizer que se aceitava ou não a alteração constitucional assim produzida.

Dir-se-á que, no caso das emendas, o povo delega esse poder, em cada legislatura, aos seus representantes eleitos. Mas afinal, cuidando-se do exercício de uma prerrogativa soberana, é porventura admissível uma implícita delegação de poderes? Alguém minimamente sensato afirmaria que o povo brasileiro tem plena consciência de que, a cada eleição, está outorgando plenos poderes ao Congresso Nacional para emendar a Constituição? Pois se o povo não tem nem mesmo o poder de iniciativa nessa matéria!

É importante lembrar que a Constituição de 24 de março de 1824, embora outorgada pelo Imperador depois de dissolvida a Assembléia Nacional, tinha, a propósito de alterações em seu texto, um procedimento coerente com o sistema representativo. Em seus artigos 174 e seguintes, dispunha aquela Carta que uma proposta de se alterar este ou aquele dispositivo da Constituição deveria ser preliminarmente aprovada pela Câmara dos Deputados. Com base nessa prévia e explícita aprovação, expedir-se-ia uma lei, “na qual se ordenará aos Eleitores dos Deputados para a seguinte Legislatura, que nas Procurações lhes confiram especial faculdade para a pretendida alteração, ou reforma”.

Isto, quanto ao exercício da soberania por meio de representantes eleitos.

Se examinarmos agora a modalidade direta de o povo exercer a sua soberania, chegaremos ao mesmo resultado negativo.

O art. 14 da Constituição Federal enumera como manifestações da soberania popular, além do sufrágio, o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular legislativa.

Pois bem, em matéria de plebiscitos e referendos, a Constituição, em seu art. 49, inciso XV, determina, contraditoriamente, que essas manifestações da soberania popular somente terão lugar, mediante autorização ou convocação do Congresso Nacional; e este último entende que tal poder de convocar ou autorizar é uma prerrogativa indeclinável dele próprio. Ou seja, o mandante, tido como soberano, só pode manifestar sua vontade juridicamente eficaz, quando tem permissão do mandatário. Se tal autorização não tiver sido dada, haverá o povo de se contentar com abaixo-assinados, desfiles ou manifestações de protesto em praça pública, desde que, bem entendido, tais expressões da liberdade democrática sejam toleradas pelas forças policiais.

Infelizmente, as interpretações paralisantes do princípio constitucional da soberania popular não se limitam a essa matéria genérica, mas estendem-se também a casos específicos, como o da realização de plebiscitos e referendos em Estados e Municípios.

O art. 14 da Constituição Federal, como lembrado, declara que plebiscitos e referendos são manifestações da soberania popular. Em 18 de novembro de 1998, foi promulgada a Lei nº 9. 709, que regulamentou esse dispositivo constitucional.

Sucede que, recentemente, o Tribunal Regional Eleitoral do Estado de São Paulo, a propósito da realização de um plebiscito aprovado pela Câmara Municipal de Santo André, declarou que a citada Lei nº 9. 709 não se aplica no âmbito municipal.

Temos, pois, segundo essa interpretação pretoriana, uma das seguintes hipóteses: 1) o princípio fundamental da soberania popular, inscrito na Constituição, carece, em sua aplicação, de regulamentação legislativa; 2) o plebiscito não é uma manifestação da soberania popular; ou 3) os Municípios não são unidades componentes da federação brasileira, devendo-se entender, por conseguinte, que a soberania do povo só existe na esfera federal.

A lição conclusiva é que o regime oligárquico, que sempre vigeu entre nós, modela, desde a Independência, a nossa Constituição informal, e chega por vezes a penetrar, de contrabando, no sistema das próprias Constituições formais de aparência democrática, quebrando-lhes a coerência interna.

III. Propostas para a efetiva instauração de um regime democrático no Brasil

Para que o Estado Democrático de Direito possa enfim existir entre nós, não basta atuar no nível das instituições políticas. É preciso, também, desenvolver um amplo e prolongado trabalho de educação para a cidadania democrática.

Limitemo-nos aqui, no entanto, a discutir unicamente as propostas de reforma institucional.

A idéia central é uma só: tornar o povo brasileiro um soberano efetivo e não meramente simbólico.

Para tanto, parece-me indispensável introduzir os seguintes aperfeiçoamentos em nosso ordenamento constitucional.

A – Revisão geral da Constituição

É urgente criar em nosso sistema constitucional, mediante emenda regularmente votada, o instituto da revisão geral da Constituição, analogamente ao que dispõem a Constituição espanhola (art. 168) e a da Confederação Helvética (artigos 118 e seguintes).

O processo de revisão geral deveria obedecer às seguintes regras:

a) Atribuição do poder de revisão a uma assembléia de representantes do povo, constituída exclusivamente para essa finalidade;

b) A revisão geral da Constituição não poderá enfraquecer nem, com maioria de razão, suprimir direitos, garantias e objetivos fundamentais da Constituição de 1988. Para tanto, os trabalhos de revisão serão acompanhados pelo Procurador-Geral da República, que poderá suscitar diretamente o julgamento do Supremo Tribunal Federal;

c) Lançamento do processo de revisão constitucional por decisão direta do povo, em plebiscito convocado pelo Tribunal Superior Eleitoral;

d) Previsão de um prazo improrrogável de funcionamento da Assembléia Nacional Revisora, cujas decisões serão obrigatoriamente submetidas a referendo popular, no seu conjunto, sem prejuízo da possibilidade de destaque de determinadas matérias;

e) Possibilidade de apresentação de propostas de revisão constitucional, não só diretamente por um grupo de cidadãos, mas também por associações e órgãos de classe de âmbito nacional;

f) Fixação de um interregno não inferior a dez anos para a convocação de novos plebiscitos sobre a revisão constitucional.

B – Emendas constitucionais

a) Criar a iniciativa popular nessa matéria, tal como proposto pelo eminente Professor Paulo Bonavides;

b) Instituir o referendo popular de emendas aprovadas pelo Congresso Nacional.

C – Plebiscitos e referendos

a) Regular essa matéria, tal como previsto nos projetos de lei nº 4. 718/2004 da Câmara dos Deputados e nº 01/2006 do Senado Federal, ambos propostos pela Ordem dos Advogados do Brasil, determinando-se, entre outras medidas, que plebiscitos e referendos só possam ser realizados mediante iniciativa popular ou iniciativa de um terço dos membros de qualquer Casa do Congresso Nacional, excluindo-se expressamente o poder de iniciativa do Presidente da República.

b) Revogar o art. 49, XV da Constituição Federal, determinando-se que plebiscitos e referendos sejam convocados pela Justiça Eleitoral.

D – Recall

Introduzir em nosso sistema constitucional o instituto da revogação popular de mandatos eletivos, tanto em relação a Chefes do Poder Executivo, quanto em relação a parlamentares, em todas as unidades da federação. Já há, nesse sentido, a Proposta de Emenda Constitucional nº 73/2005, em tramitação no Senado Federal, cujo texto foi oferecido aos Senadores pela Ordem dos Advogados do Brasil.

Natal, novembro de 2008.
XX Conferência Nacional dos Advogados

Indicação de Aristeu Bertelli