Por que a escola precisa ensinar cidadania
Alunos nas escolas britânicas aprenderão uma nova lição: não bater em mulheres e meninas. Por ano, na Grã-Bretanha, 1 milhão de mulheres sofrem ao menos um episódio de violência doméstica, e 750 mil crianças são testemunhas. A aula estará no currículo obrigatório para crianças a partir de 5 anos. Formar os valores do indivíduo, dar noções de cidadania... é papel da escola ou da família?
Do jeito como as coisas andam, por mais que eu defenda a soberania individual, sou a favor de aulas de cidadania. É um terreno pantanoso. Não se fala aqui da antiga aula de moral e cívica, de assustadora lembrança. Mas de noções de convívio pacífico, não discriminação racial ou sexual, respeito ao meio ambiente, ao vizinho e aos idosos, e alertas para o abuso de álcool, drogas, armas, e contra a violência em casa, no trânsito, na rua, na sala de aula.
Não deveria ser papel dos pais? Ao atribuir à escola parte da responsabilidade pela formação do cidadão, não estaríamos passando atestado da falência da família? Não são os pais que devem ensinar o certo e o errado, de acordo com seus princípios morais e éticos? Teoricamente, sim. Mas, como pais, cumprimos nosso papel? A família moderna – em que pais e mães trabalham dez horas por dia e dedicam pouco tempo aos filhos, ou se divorciam numa velocidade maior do que se casam – é autossuficiente para formar cidadãos responsáveis? A sociedade tem contribuído positivamente para mostrar à criança a fronteira da liberdade que não incomoda o outro? Quando se fala em defesa da cidadania, logo se pensa em sair às ruas e exigir nossos direitos. E os deveres de cada um? Quem é o guardião – precisamos de guardiães?
Uma tragédia ocorrida em Belo Horizonte na quinta-feira demonstra a impotência de famílias que não sabem a quem apelar quando os filhos se viciam e se tornam agressivos. Bruno Guimarães, de 29 anos, que já havia sido internado seis vezes para desintoxicação, foi morto com 12 tiros por três PMs em sua própria casa. Quem chamou a polícia foi o pai. Bruno e amigos consumiam crack e cocaína. Os PMs arrombaram o quarto, e o rapaz atacou um PM com uma faca. Balas de borracha não surtiram efeito, e o PM descontrolado disparou 12 tiros com uma pistola 40. Doze tiros! Fica claro para os pais que chamar a PM para conter um filho drogado não é opção. Não é desse tipo de “guardião” que as famílias precisam.
Podemos criar uma sociedade menos violenta? Dois estudos divulgados na terça-feira, em São Paulo, pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, revelaram que 55% dos jovens dizem ter visto corpos de pessoas assassinadas no último ano. Sabemos que não são as famílias sozinhas, ou as escolas – sem condições de ensinar direito nem português e matemática –, que darão jeito nisso. Falta um foco obsessivo do Estado na educação ampla e irrestrita.
Até que ponto escolas e famílias podem criar uma parceria saudável? Na Grã-Bretanha, pais reagiram ao curso contra a violência doméstica. Uma mãe disse que o governo deveria se concentrar em ensinar as crianças a ler e escrever, e parar de interferir em como os pais criam seus filhos. O primeiro-ministro inglês, Gordon Brown, disse que “a violência contra mulheres e meninas é uma obscenidade, por isso as escolas tentarão mudar atitudes enraizadas desde a infância”.
Na América Latina, é pior. Um estudo da Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal) mostrou que a violência do parceiro atinge 40% das mulheres: “De pancadas a ameaças de morte, acompanhadas por forte violência psicológica e às vezes também sexual”.
Até que ponto o Estado ajuda ou prejudica? É contribuição ou intromissão? Complicado. Sou favorável à Lei Seca, à proibição do fumo em lugares fechados, à adoção de uma educação ambiental desde cedo. Sou totalmente contra apostilas e livros com viés ideológico, que santificam ou demonizam personagens históricos para fazer a cabeça da criançada. Também acho abuso injustificável usar escolas laicas para pregações religiosas.
Mas acredito que a criação de uma cultura cidadã é responsabilidade de todos. Pais, escolas, Estado.
Texto de Ruth de Aquino na revista Época desta semana
Do jeito como as coisas andam, por mais que eu defenda a soberania individual, sou a favor de aulas de cidadania. É um terreno pantanoso. Não se fala aqui da antiga aula de moral e cívica, de assustadora lembrança. Mas de noções de convívio pacífico, não discriminação racial ou sexual, respeito ao meio ambiente, ao vizinho e aos idosos, e alertas para o abuso de álcool, drogas, armas, e contra a violência em casa, no trânsito, na rua, na sala de aula.
Não deveria ser papel dos pais? Ao atribuir à escola parte da responsabilidade pela formação do cidadão, não estaríamos passando atestado da falência da família? Não são os pais que devem ensinar o certo e o errado, de acordo com seus princípios morais e éticos? Teoricamente, sim. Mas, como pais, cumprimos nosso papel? A família moderna – em que pais e mães trabalham dez horas por dia e dedicam pouco tempo aos filhos, ou se divorciam numa velocidade maior do que se casam – é autossuficiente para formar cidadãos responsáveis? A sociedade tem contribuído positivamente para mostrar à criança a fronteira da liberdade que não incomoda o outro? Quando se fala em defesa da cidadania, logo se pensa em sair às ruas e exigir nossos direitos. E os deveres de cada um? Quem é o guardião – precisamos de guardiães?
Uma tragédia ocorrida em Belo Horizonte na quinta-feira demonstra a impotência de famílias que não sabem a quem apelar quando os filhos se viciam e se tornam agressivos. Bruno Guimarães, de 29 anos, que já havia sido internado seis vezes para desintoxicação, foi morto com 12 tiros por três PMs em sua própria casa. Quem chamou a polícia foi o pai. Bruno e amigos consumiam crack e cocaína. Os PMs arrombaram o quarto, e o rapaz atacou um PM com uma faca. Balas de borracha não surtiram efeito, e o PM descontrolado disparou 12 tiros com uma pistola 40. Doze tiros! Fica claro para os pais que chamar a PM para conter um filho drogado não é opção. Não é desse tipo de “guardião” que as famílias precisam.
Podemos criar uma sociedade menos violenta? Dois estudos divulgados na terça-feira, em São Paulo, pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, revelaram que 55% dos jovens dizem ter visto corpos de pessoas assassinadas no último ano. Sabemos que não são as famílias sozinhas, ou as escolas – sem condições de ensinar direito nem português e matemática –, que darão jeito nisso. Falta um foco obsessivo do Estado na educação ampla e irrestrita.
Até que ponto escolas e famílias podem criar uma parceria saudável? Na Grã-Bretanha, pais reagiram ao curso contra a violência doméstica. Uma mãe disse que o governo deveria se concentrar em ensinar as crianças a ler e escrever, e parar de interferir em como os pais criam seus filhos. O primeiro-ministro inglês, Gordon Brown, disse que “a violência contra mulheres e meninas é uma obscenidade, por isso as escolas tentarão mudar atitudes enraizadas desde a infância”.
Na América Latina, é pior. Um estudo da Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal) mostrou que a violência do parceiro atinge 40% das mulheres: “De pancadas a ameaças de morte, acompanhadas por forte violência psicológica e às vezes também sexual”.
Até que ponto o Estado ajuda ou prejudica? É contribuição ou intromissão? Complicado. Sou favorável à Lei Seca, à proibição do fumo em lugares fechados, à adoção de uma educação ambiental desde cedo. Sou totalmente contra apostilas e livros com viés ideológico, que santificam ou demonizam personagens históricos para fazer a cabeça da criançada. Também acho abuso injustificável usar escolas laicas para pregações religiosas.
Mas acredito que a criação de uma cultura cidadã é responsabilidade de todos. Pais, escolas, Estado.
Texto de Ruth de Aquino na revista Época desta semana
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